domingo, outubro 25, 2009

Estamos solidários com Malalai Joya

Vídeo em versão de língua espanhola

O DIÁRIO DE FELGUEIRAS (DF), tal como temos referido sucessivas vezes, não prescinde do seu modesto papel de contribuir para uma maior consciencialização sobre os valores da liberdade - da liberdade de expressão, das amplas liberdades e da democracia -, numa atitude que muitas vezes ilustramos com tons de cultura, de poesia, de cidadania, de intervenção, de rebeldia e de protesto (quando são necessários). Para além, obviamente, do nosso papel de informar e emitir opinião. Não somos mestres de e em nada, mas não prescindimos das nossas causas. E a nossa causa maior, independentemente das circunstâncias e razões ideológicas de cada um, é a de estarmos sempre ao lado as vítimas.
Em Setembro de 2006, quando o PCP cometeu a imprudência (por ingenuidade) de convidar as FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército Popular) para estarem presentes (com um stand) na festa do Avante daquele ano, o DF foi um dos 40 blogues portugueses (poucos!) que empenhadamente se solidarizaram com todos os civis inocentes sequestrados pela organização, como, por exemplo, Ingrid Betancourt, que tinha sido raptada quatro anos antes e mantida em cativeiro até mais tarde. O gesto dos 40 blogues portugueses, incluindo o DF, provocou severas e injustas críticas, tanto por parte do jornal Avante, como das próprias FARC’s, em comunicado na altura colocado no seu sítio na Internet (ver, em baixo, três links relacionados, do DF, de 2006 *).
E, da mesma forma que antes estivemos com Ingrid Betancourt (libertada em 2008), hoje estamos com Malalai Joya, a jovem deputada afegã, de 31 anos, que foi suspensa do Parlamento do seu país e corre sérios riscos por denunciar que os “senhores da guerra” são ao mesmo tempo “os senhores do narcotráfico”, instalados no aparelho de Estado. Tanto critica os talibãs como os EUA… É que, afinal, a guerra (invasão ou ocupação) do Afeganistão no quadro da NATO mais não foi do que para “desobstruir” o caminho para o narcotráfico; o 11 de Setembro foi apenas um pretexto.
Há dias, Malalai Joya esteve em Portugal, para falar em Lisboa e no Porto, a convite do Bloco de Esquerda (BE). A Comunicação Social noticiou a iniciativa, mas não deu o realce que esta corajosa mulher merece.
O DF criou um link ao sítio na Internet de Malalai Joya – a mulher mais corajosa do Afeganistão –, como prova da nossa solidariedade. Independentemente de concordarmos ou não com as motivações políticas de Joya, discordamos, obviamente, da perseguição encetada (fosse contra quem fosse e tanto mais que as denúncias sobre o narcotráfico são mais do que justas e louváveis. De uma infinita coragem).

Em baixo, transcrevemos notícia do "Expresso", edição de ontem.
JCP

"A mulher mais corajosa do Afeganistão"

Tem a cabeça a prémio no Afeganistão. Malalai Joya veio a Portugal dizer que a libertação do seu país é "uma grande mentira".

Dizem que é a mulher mais corajosa do Afeganistão. Chama-se Malalai Joya, tem 31 anos e o facto de não se calar torna-a incó­moda dentro e fora do seu país. "O meu povo está encurralado. De um lado, estão os criminosos da Aliança do Norte e os bárba­ros dos talibãs que nos matam em terra; do outro, as forças dos Estados Unidos e seus aliados que nos bombardeiam do ar. Se as tropas estrangeiras retira­rem, ficamos com um inimigo a menos", afirmou em entrevista ao "Expresso" esta deputada afe­gã, suspensa desde 2007.
Contrariamente ao que se quer fazer crer no Ocidente, "a ocupação não libertou o povo, mas antes os senhores da guer­ra. Antes, eles fugiam dos tali­bãs que nem ratos; agora, trans­formaram-se em lobos". Ho­mens como Mohamad Fahim e Karim Khalili, destacados senho­res da guerra, serão vice-presi­dentes se Hamid Karzai for re­conduzido na presidência do país – a segunda volta das eleições será a 7 de Novembro.
Essa eventualidade não torna Malalai apoiante de Abdullah Abdullah, o rival de Karzai. "São iguais! Ambos servirão a Casa Branca. No Afeganistão, costumamos dizer: é o mesmo burro com outra sela".
Oito anos de guerra não acabaram com os talibãs, que continuam activos em 80% do território, e transformaram o país num narco-estado. Quase erradicado durante a governação talibã, o cultivo da papoila aumentou 4500%... No léxico afegão, a expressão poppy palaces (palácios da papoila) passou a designar as excêntricas mansões que proliferaram em Cabul e que se estima terem sido financiadas com dinheiro do narcotráfico.
"O Afeganistão produz 93% do ópio mundial. Foi o presente dos EUA e da NATO ao meu país...", ironiza. "Um dos principais traficantes é Ahmad Wali Karzai, irmão do Presidente!".
Há muito que Malalai perdeu o medo de falar. Em 2006, no Parlamento, pôs o dedo na ferida ao afirmar que havia ali muitos deputados com "as mãos sujas de sangue do próprio povo". Foi suspensa, ameaçada de morte e de violação e mergulhou na clandestinidade. Num país em que as mulheres são obrigadas a cobrirem-se da cabeça aos pés, a burqa passou a ser um aliado, protegendo-a quando sai à rua.
"Já a tentaram matar por quatro vezes"

Muda de casa com frequência – já a tentaram matar por quatro vezes – e enceta uma aventura sempre que quer ir ao Ocidente divulgar a sua mensagem. Sem passaporte diplomático, cruza a fronteira de carro, para apanhar um avião no Paquistão.
No passado fim-de-semana, esteve em Portugal a convite do Bloco de Esquerda (BE), para sessões de esclarecimento em Lisboa e no Porto. Falou de pobreza, de corrupção, de como se compra um bebé afegão por dez dólares (€ 6,7) e do pesadelo que é ser mulher no seu país. "Matar uma mulher custa-lhes tanto como matar um pássaro. As violações, os raptos, os ataques com ácido e a violência doméstica estão a aumentar muito".
Em 2005, Malalai fez história ao tornar-se o membro do Parlamento mais jovem de sempre. Mulher e nova, servia na perfeição a ideia de que a guerra libertara as afegãs. Para provar o contrário, invoca uma lei recentemente aprovada, em tudo consentânea com a era talibã, visando as xiitas. Num artigo, proibe-se as mulheres de saírem de casa para trabalhar ou simplesmente ir ao médico sem a autorização dos maridos. "Apesar da condenação internacional, Karzai assinou o diploma".
Malalai também não poupa Barack Obama por este querer fazer passar por “moderados” o mullah Ornar (líder talibã) e Gulbuddin Hekmatyar (líder mujahedin). "Está claro para o povo que os EUA não tencionam destruir os talibãs e a Al-Qaeda. Vão mantendo a situação perigosa para continuarem no Afeganistão em nome dos seus interesses estratégicos e económicos". Por isso, Malalai sonha com o dia seguinte à saída das tropas estrangeiras. "Muitos dizem que depois virá a guerra civil. E que temos agora?"

Eleições & subornos:
A 7 de Novembro, Hamid Karzai e Abdullah Abdullah, seu antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, disputam a segunda volta das presidenciais.
O Governo italiano negou ter subornado os talibãs para que não alvejassem as suas tropas, Segundo o "Times", quando os franceses renderam os italianos em Sarobi, foram surpreendidos pela violência. Dez franceses morreram num único incidente.
O Afeganistão ocupa o 181.º e penúltimo lugar do índice de Desenvolvimento Humano 2009 das Nações Unidas.
Um quarto dos lugares do Parlamento afegão (68) está reservado às mulheres.