Anabela Melão
Jurista
Na semana
em que se festejou Abril, tudo leva a crer que os únicos vestígios vivos da
revolução dos cravos estão ali armazenados cuidadosamente na memória dos
cidadãos, assim como se representassem a única parte da história deste País de que
foram testemunhas. Mas protagonistas a sério dessa revolução sentiram-se no
primeiro 1.º de Maio, que aí está para a semana.
Motivos
para festejar? Não os tivemos em
Abril. Não os teremos em Maio.
Em Abril,
estarrecemos com o discurso do Presidente da República que, a toque de caixa do
Governo, e assumindo uma estratégica subalternidade, defendeu a continuidade
deste, expurgando todos os aspectos negativos do seu exercício, e insistindo o
caminho por este desenhado, como se de uma penitência se tratasse.
O próprio
Primeiro Ministro deve ter estranhado (ou não, para quem defende que o discurso
foi “articulado” entre ambos!) tanta adesão a um plano governativo feito sem
qualquer fio de prumo, ao sabor dos “buracos” que se descobrem todas as
quinzenas, e na conveniência troikana de que se considera pupilo dilecto e fiel
seguidos.
O que
festejariam os cidadãos? A começar por aqueles que mais sentiram no coração a
festa de Abril e de Maio. Os trabalhadores. Com a taxa de desemprego (dados de
Fevereiro, do Eurostat) a manter-se nos 17,5% da população activa, dados
preocupantes quando comparados com o nível de desemprego na zona euro que, em
17 países, continuou em 12%, e, no conjunto dos 27 da União Europeia, subiu uma
décima, para 10,9%, Portugal apresenta a terceira taxa mais alta, a seguir à Espanha
(26,3%) e à Grécia (26,4%, valor relativo a Dezembro, o último
conhecido.
Entretanto,
cresce o tom de incompreensão da Europa face à dimensão das políticas de
austeridade impostas por Passos Coelho, defendendo que a austeridade está a
matar o País, e dando a entender, expressamente, que o Primeiro Ministro está a
ser mais “papista que o Papa”.
Dentro do
PSD, aumenta a crispação quanto ao exacerbado poder de Vitor Gaspar, a ponto
de, no último Conselho de Ministros, se ter suscitado a oposição de parte da
coligação, com ênfase para Paulo Portas (o único a aguentar-se nas sondagens, devido
ao instinto táctico que todos, amigos e inimigos, lhe reconhecem), Paula
Teixeira da Cruz, Miguel Macedo, Aguiar Branco e até o “Álvaro” Santos Pereira
a barrarem algumas das propostas mais radicais das Finanças, sobretudo a
relativa aos cortes nas pensões e salários.
Entretanto,
na oposição, depois de António José Seguro ter obtido 96% dos votos nas
directas, numa vitória esmagadora de qualquer democracia interna, deixando os
seus opositores (destaque para Aires Pedro que protagonizou um dos golpes de
asa mais dignos nos últimos tempos da política portuguesa) surge agora, no
Congresso, como o homem da união, deixando, contudo, de fora da comissão
nacional, todos os socráticos. Ou seja, do consenso, mas nem tanto ou nem por
isso! Destaque merecido para a intervenção de Sérgio Sousa Pinto: "(...) o
nosso principal problema é de credibilidade. Enquanto não o reconhecermos e não
o enfrentarmos enquanto não nos apresentarmos neste país com protagonistas
credíveis de mudança e de ruptura estaremos a falhar ao povo português (...)
(...) Quando fingimos que o problema não existe, por cálculo ou manha,
prestamos um péssimo serviço ao país e ao partido (...) Haja coragem moral.
Chega de gente que se esconde atrás de uma floresta de promessas para não
cumprir nada. Chega de gente que se esconde atrás de palavras para não dizer
nada. Chega de gente que acha que a política é feita de poses, trejeitos e
luzes. A política hoje é uma ventania ensurdecedora mas que não abana uma
folha." Aliás, e a propósito deste Congresso, veio-me várias vezes à
lembrança uma frase de Simone de Beauvoir "À minha volta, reprovava-se a
mentira, mas fugia-se cuidadosamente da verdade."
Resumindo,
uma semana que não correu bem, ameaçando-se outra pela frente nada melhor.
Isto cada
vez se parece mais com o País das Maravilhas e nenhum de nós gosta de sentir
uma “Alice”, neste exacto contexto. Explicando. O Presidente da República
concorda com o Governo, apesar de, pessoalmente, não nutrir o menor respeito
pelo Primeiro Ministro. O Primeiro Ministro alegra-se com esse apoio, apesar
de, pessoalmente, não ter o menor apreço pelo Presidente da República. O
Conselho de Ministros suscitou grandes discussões com as últimas medidas
preconizadas por Vitor Gaspar, mas o Governo diz estar coeso. O PSD reúne
grupos de vozes dissonantes do Governo, mas diz estar unido. O PS, no
Congresso, gerou silêncios e separatismos notórios, mas diz ter gerado
consensos.
Somos um
Povo feliz? Somos um Povo de farsantes? Ou, simplesmente, estamos f ………?