Anabela Melão
jurista
Quem viu e quem vê Sua
Excelência o Presidente da República!?
Já nos surpreendeu com
silêncios inexplicados, frases a roçar a comédia e apelos mais ou menos
melodramáticos, mas, desta vez, o cheiro dos cravos, que outras “excelências”
levaram na lapela para são bento, terá justificado afirmações que transformaram
o discurso anódino numa versão
saudosista da governação dos últimos anos, a lembrar um elogio póstumo a
Sócrates. Juro que até me indaguei se este estaria de boa saúde ou se teria
tropeçado nalguma das escadinhas ingremes da Torre Eiffel e temi o pior!
O homem que disse coisas como "É altura de os Portugueses
despertarem da letargia em que têm vivido e perceberem claramente que só uma
grande mobilização da sociedade civil permitirá garantir um rumo de
futuro." "É oportuno tomar uma posição
clara contra a iniquidade, o medo e o conformismo que se estão a instalar na
nossa sociedade." "Precisamos de uma política humana, orientada para
as pessoas concretas, para famílias inteiras que enfrentam privações
absolutamente inadmissíveis num país europeu do século XXI." "Portugal
é já o país da União Europeia com maiores desigualdades sociais." "Precisamos
de um combate firme às desigualdades e à pobreza que corroem a nossa unidade
como povo." "O rumo político seguido protege os privilégios, agrava a
pobreza e a exclusão social, desvaloriza o trabalho." "A expectativa
legítima dos Portugueses é a de que todas as políticas públicas e decisões de
investimento tenham em conta o seu impacto no mercado laboral, privilegiando
iniciativas que criem emprego ou que permitam a defesa dos postos de trabalho.
[...] Exige-se, em particular, um esforço determinado no sentido de combater o
flagelo do desemprego." "As medidas e sacrifícios impostos aos
cidadãos portugueses ultrapassaram os limites do suportável. Condições
inaceitáveis de segurança e bem-estar social atingem a dignidade da pessoa
humana." "Sem crescimento económico, os custos sociais da
consolidação orçamental serão insuportáveis. [...] Há limites para os
sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos." "O contrato
social estabelecido na Constituição da República Portuguesa foi rompido pelo
poder." "Precisamos de gestos fortes que permitam recuperar a confiança
nos governantes e nas instituições." "Queremos apelar ao Povo
português e a todas as suas expressões organizadas para que se mobilizem e
ajam, em unidade patriótica, para salvar Portugal, a liberdade, a
democracia." "É necessário um sobressalto cívico." "Queremos
reafirmar a nossa convicção quanto à vitória futura, mesmo que sofrida, dos
valores de Abril no quadro de uma alternativa política, económica, social e
cultural que corresponda aos anseios profundos do Povo português." "Façam
ouvir a vossa voz. Este é o vosso tempo. [... ] Mostrem que não se acomodam nem
se resignam.", é o mesmo que acordou, numa manhã de Abril, e
descoberto que existe lá fora "a intenção deliberada de fornecer um
retrato negativo do nosso país, de evidenciar apenas uma parte da
realidade", que "essa perceção negativa é veiculada internamente,
constituindo um fator de desmobilização dos cidadãos e prejudicando as
expectativas dos agentes económicos" e que concluiu que "corrigir a
falta de informação ou até a desinformação que subsiste no estrangeiro" já
não é vender ilusões, nem recorrer à ficção ou à propaganda. É, isso sim, e
cito: "fornecer um retrato realista e positivo de Portugal". Ora bem!
Disto culpava o atual partido no poder (o mesmo de Cavaco) José Sócrates.
Aqueloutro que, segundo eles, teatralizava o País lá por fora, como terra de
oportunidades e paraíso à beira-mar plantado! E isto nada tem a ver com
simpatias socráticas, acrescento já para calar as mas línguas.
Mas
lá que é estranho ver o Presidente a não regatear elogios aos últimos anos de
governação (a duplicação do investimento em Investigação e Ciência, o
desenvolvimento na inovação e modernização tecnológica, os avanços no domínio
energético, o dinamismo nas áreas da cultura, da arquitetura, das artes plásticas,
da moda e das indústrias criativas, a afirmação do prestígio de Portugal,
através da eleição para o Conselho de Segurança, das presidências portuguesas
da União Europeia e do próprio Tratado de Lisboa, não são questões de curto
prazo!) em jeito de elogio póstumo ao governo socialista que tanto se orgulha
de ter contribuído para cair, lá isso é.
Cavaco
Silva não gosta de Passos Coelho. Passos Coelho não gosta de Cavaco Silva. Nem
o cravo os fez sentir obrigados a cumprimentarem-se em são bento. Mas que isto
não sirva para evasivas presidenciais a uma apreciação da governação. Não
gostam um do outro, e daí? Também há quem não goste de um. E há quem não goste
do outro. E até há quem não goste de nenhum deles. O problema é que começamos a
pensar que ambos também não morrem de amores por nós. O Povo que até votou
neles e agora os vê pisar a bandeira!