quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Maria Dulce Varela: "Homem simples, cheio de inquietações, sim, mas amante da paz entre todos".

Zeca Afonso  - 25 anos depois



Maria Dulce Varela
(Jornalista.  Trabalhou na RDP
e na Rádio Comercial, entre outros órgãos)



José Afonso, o Zeca, teve uma despedida emocionante, 
que eu, nessa altura, a trabalhar na Rádio Comercial, 
fui encarregada de fazer a cobertura em directo, 
que nunca mais esquecerei.


Parece talvez demasiado simples começar esta breve crónica de homenagem a José Afonso, que a 23 Fevereiro, já lá vão 25 anos, nos deixou, vítima de esclerose lateral miotrófica, no hospital de Sétubal. Mas na sua grandeza, ele era um Homem simples, cheio de inquietações, sim, mas amante da paz entre todos.

Ainda que para muitos “Grândola Vila Morena” tenha sido a canção que marcou o 25 de Abril, para mim, pessoalmente, “Venham mais Cinco” tem, hoje em dia, um significado muito especial. Porque a dura realidade me faz ouvir, lá muito baixinho, dentro da minha alma, que é preciso que “VENHAM MUITO MAIS CINCO”, muitos mais mesmo, para que, unidos, consigamos aquilo que Zeca Afonso tanto desejava – a unidade, a liberdade, uma visão de estar na vida incomparável.

O ter vivido entre Aveiro, onde nasceu, e Angola e Moçambique, por certo o influenciou, ele que era licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras. O regresso a Portugal deveu-se à oposição do regime colonial. O seu último destino foi Setúbal, onde foi colocado como professor e onde, depois de uma grave doença, viria a saber que fora expulso do ensino oficial, passando a viver de explicações que dava. São tantas e tantas as canções que nos vêm à lembrança. O “bicho-cantor”, alcunha que lhe deram no liceu, por cantar serenatas durante as praxes, enche-nos a alma, enche-nos o coração de saudade – “Cantares de José Afonso”, “Contos Velhos, Rumos Novos”, “Menina dos Olhos Tristes”, “Cantigas de Maio”, “Eu vou ser como a Toupeira” e no Natal de 73, depois de ter estado preso em Caxias, grava em Paris, com a colaboração de José Mário Branco, “Venham Mais 5”.

José Afonso, o Zeca, teve uma despedida emocionante, que eu, nessa altura, a trabalhar na Rádio Comercial, fui encarregada de fazer a cobertura em directo, que nunca mais esquecerei. Com as lágrimas a cair pela cara abaixo, sem poder conter a emoção e o desgosto (os jornalistas também têm o direito a emocionar-se), despedi-me do Zeca à minha maneira – falando, contando, a par e passo, o que me rodeava. Com a sensação de que um bocado de muitos de nós nos tinha sido tirado. Agora, que faz 25 anos que ele nos deixou, fisicamente, porque continua entre nós, deixando-nos a lutar com a mesma saudade, resta-me desejar que realmente “Venham mais cinco”, porque precisamos desses e muitos mais. É, com toda a certeza, o que o Zeca Afonso espera ainda de nós. Não podemos desiludi-lo! Até sempre.

Maria Dulce Varela