terça-feira, março 10, 2009

"Sócrates 2009" | Constança Cunha e Sá no CM

Constança Cunha e Sá,
editora de Política da TVI,
no Correio da Manhã, de hoje

O lema "Sócrates 2009" é a certidão de óbito do PS, emitida, para cúmulo, nas vésperas de um ciclo eleitoral.
Num gesto de altruísmo e de rara dedicação, o PS decidiu transformar as próximas eleições num verdadeiro plebiscito ao seu líder incontestado. O lema escolhido – Sócrates 2009 – não só revela uma concepção original do sistema democrático, assente no culto da personalidade e na natureza insubstituível do homem providencial, como reduz o partido à sua própria (e visível) insignificância.
O arranque oficial da campanha socialista, que sintomaticamente se realizou em Espinho, foi um momento único para se perceber os ingredientes desta estratégia. O discurso do eng. Sócrates e os encómios dos seus acólitos não deixaram margem para grandes dúvidas. Quem concorre às próximas eleições não é o partido, nem mesmo o seu secretário-geral: é um homem excepcional que se candidata ao cargo de primeiro-ministro para ver sufragada a sua obra à frente do Governo e que se apresenta a votos para que o povo – "que é quem mais ordena" – lhe faça o especial favor de dizimar as "forças ocultas" que estão por detrás da "campanha negra" que se abateu sobre a sua impoluta pessoa.
Esta premeditada confusão entre o plano judicial e o plano político, através da qual se pretende que a investigação criminal passe a ser sufragada pelo voto popular, tem os seus antecedentes históricos: ao usá-la, o eng. Sócrates junta-se a um colorido grupinho de autarcas que tem como expoentes máximos o sr. Isaltino Morais, o major Valentim Loureiro e a sra. Fátima Felgueiras, cuja recandidatura o PS não apoiou por motivos que, agora, parecem incompreensíveis. Se a ideia é, como diz o eng. Sócrates, introduzir uma certa "decência" na política, não se pode dizer que este seja o caminho mais indicado.
Infelizmente, foi o caminho escolhido pelo PS que, depois de se ter insurgido, desde sempre, contra qualquer escândalo alheio, surge agora como defensor oficial de um alvo do Ministério Público e de dedo em riste contra os jornalistas que se atrevem a dar conta das diligências judiciais em curso. Seria de esperar que este PS, tão solícito na denúncia de "campanhas negras" e "assassinatos de carácter" contra o seu martirizado líder, se aplicasse, com igual zelo e dedicação, na defesa de outras vítimas que por aí andam, perseguidas pela Justiça e nas primeiras páginas dos jornais.
Mas, como se tem visto, o eng. Sócrates goza de um estatuto especial: com o partido a seus pés, conseguiu ligar irremediavelmente o destino do PS ao seu próprio destino. O lema "Sócrates 2009" não é mais do que a certidão de óbito do PS, emitida, para cúmulo, nas vésperas de um ciclo eleitoral.