sexta-feira, agosto 25, 2006

Editorial

A falta de confiança política
e o embate inevitável

Foto DN
"Enquanto Fátima Felgueiras é uma figura
do palco político, Horácio Reis é um homem dos bastidores,
terreno onde se sente melhor, como peixe na água"


Dois editais da Câmara Municipal, assinados pela sua presidente, Fátima Felgueiras, sobre os poderes da autarca delegados na sua ausência, em dois períodos de férias, colocados no lugar de estilo dos Paços do Concelho, não mentem: no edital referente ao período de férias de Fátima Felgueiras, que culminou com as de João Garção, a presidente delegou a Horácio Reis apenas a faculdade de reencaminhar a correspondência, recusando-se autorizá-lo dos demais poderes, imprescindíveis para o bom e regular funcionamento do Município; no segundo edital, referente ao segundo período de férias da presidente, que desta vez culmina com as de Horácio, a autarca, numa clara atitude de dualidade de critérios, delega todos os poderes em João Garção, vice-presidente.


Poder-se-á alegar que tal episódio não é um facto político, mas o certo é que não deixa de ser revelador de que Fátima Felgueiras jamais confia em Horácio Reis. Apesar de este ter figurado em terceiro lugar na lista do movimento “Sempre Presente” à Câmara Municipal nas últimas autárquicas, ninguém pode negar que Horácio foi o grande impulsionador e obreiro para que tal movimento fosse criado, desde a primeira hora. Antes e durante a campanha eleitoral, desdobrou-se na propaganda política, mormente nos bastidores, que é o terreno onde se sente melhor, como peixe na água. Usando uma figura de estilo, podemos dizer que Horácio foi quem foi buscar Fátima Felgueiras ao Brasil. Ganhas as eleições, é ele que se tem revelado como o mais incansável elemento da maioria, para sucesso das iniciativas, das quais Fátima Felgueiras é quem retira todos os louros.

Enquanto Fátima Felgueiras é uma figura política de palco, Horácio é uma figura dos bastidores, mas o certo – isso é inegável – que o n.º 3 do Executivo aspira, um dia, ascender à presidência da autarquia. Não tendo vingado como candidato do PS, depois de toda a novela gerada em torno do núcleo do partido na Lixa (que tentou implementar para servir de trampolim com esse objectivo, mas que nunca foi legalizado pela Distrital), Horácio não queria sujeitar-se a ser um eventual n.º 2 ou n.º 3 de José Campos, também por uma questão de orgulho, e lançou-se na criação do movimento independente no sentido de chegar à autarquia, para, um dia, chegar a presidente, mesmo sabendo que, para isso, terá que vencer, um a um, todos obstáculos de tamanha maratona.


Mário Soares costuma dizer que a política em Democracia é feita de contrastes. E a prova disso é que Fátima Felgueiras beneficiou da existência desses contrastes, no caso, das contingências verificadas no seio do PS local e nacional entre Maio de 2003 e Outubro de 2005. Caso contrário, hoje a presidência da Câmara estaria nas mãos de José Campos (PS) ou de Caldas Afonso (PSD).
Fátima Felgueiras sabe muito bem da ambição de Horácio Reis, que não vai querer ser toda a vida um político de bastidores. E é por isso que o teme, não lhe dando o mínimo de confiança política. E foi por isso também que o não escolheu para n.º 2 da lista. Mesmo numa eventual retirada da cena política, mercê dos problemas judiciais que sobre si impendem, Fátima Felgueiras jamais irá trabalhar para que o seu actual n.º 3 a suceda. A actual presidente da Câmara não gosta de políticos de ruptura e, muito menos, de quem se movimenta bem nos bastidores, como Horácio, mas de políticos de continuidade e de feitio reservado. É certo que, para o ir tendo ao seu lado sem problemas imediatos, acena-lhe, dando-lhe a perceber, que não se irá recandidatar ao cargo em 2009. O líder da Oposição, Caldas Afonso (PSD), caiu no engodo, ao ponto de ter dito isso, recentemente, em entrevista ao “Expresso de Felgueiras”, mas Horácio, com mais argúcia, não acredita nessa farsa palaciana! Daí que é de prever que a meio do mandato as fricções políticas entre Fátima Felgueiras e Horácio Reis comecem a surgir, porque, como é óbvio, não podem haver duas pessoas a encabeçar a mesma lista eleitoral.


Fátima Felgueiras tudo irá fazer para sobreviver judicial e politicamente – isso é da natureza humana. A autarca tudo fará para que Horácio não sobreviva politicamente para o mandato seguinte. Por outro lado, o regresso do vereador ao PS afigura-se improvável, dado ter sido expulso do partido, por ter ingressado na lista do movimento “Sempre Presente”. Mesmo assim, num eventual embate eleitoral entre ambos no futuro, Horácio perde, não só pelo facto de Fátima Felgueiras ser mais carismática. Enquanto esta dá luta aos seus adversários políticos, Horácio, sendo muito bom nos bastidores, jamais teria coragem para subir a um palco para tão destemida atitude.