segunda-feira, julho 31, 2006

Esclarecimento

Recebemos do nosso amigo José Carlos Marques da Silva, economista, deputado municipal eleito pelo PS (foi o cabeça-de-lista do partido à AM nas últimas autárquicas), a missiva que abaixo transcrevemos, que vem acompanhada da intervenção, na íntegra, do referido deputado na última sessão, extraordinária, aquando do debate sobre a proposta da participação do Município na SA para a ZAEV.
Como deve compreender o nosso amigo JC Marques da Silva, a referência feita ao Ilustre jurista Marques de Carvalho surge num apontamento de carácter meio sério, meio jocoso, não meramente noticioso, que facilmente encontramos em algumas publicações nacionais. É por isso que se designam de "Ecos da Assembleia".
Sem faltar à verdade dos factos e sem desvituarmos estes, vamos dando nota daqueles momentos que ficam marcados por "episódios", de certo modo inéditos e "sui generis", cuja referência é sempre do bom agrado dos leitores, que se deliciam com este tipo de literatura.
Caro José Carlos Pereira,

Pela importância do assunto em questão (que infelizmente nem todos perceberam) e para que não fique a ideia de que o que resultou da intervenção que fiz na referida AM foi o fait divers do jurista citado, que só surgiu pela razão da presidente em exercíco ter, longamente, justificado a consistência jurídica da proposta com o suposto brilhantismo do jurista...junto envio a intervenção na íntegra.

Melhores cumprimentos,

J Marques da Silva
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PTT - Parque Tecnológico do Tâmega SA
Passaram mais de 30 anos da vida democrática do nosso concelho, sem que a questão central para o desenvolvimento económico e social e para o ordenamento do território que é o ordenamento industrial tivesse sido resolvida ou sequer, tão pouco, ampla e participadamente debatida por todos.
Ao longo deste período, foram sendo investidos ou gastos, com maior ou menor fundamento, muitos milhões de euros, sem que soluções estruturantes e definitivas tivessem sido encontradas, uma estratégia consistente tivesse sido perseguida, ou o esforço de alocação de dinheiros públicos se tenha traduzido em mais e melhores empregos; mais qualificações; maior diversificação sectorial; aumento do bem-estar económico e social ou na criação de novas dinâmicas sócio-culturais no nosso concelho.
Convém assumir aqui, nesta câmara, que deve ser a essência da vida democrática local, que é também, em grande medida e, por esta razão, que nos encontramos hoje nesta situação tão difícil no quadro da competitividade e do emprego em termos regionais e nacionais.
Não nos podemos permitir que continuem esse caminho de divergência.
Não podemos compactuar, viabilizar, aceder, seja por acção ou omissão, com mais erros, equívocos ou fracassos nessa linha de conduta que não nos aportou resultados e que nos empurrou, sob a gestão e a responsabilidade de outros devidamente identificados, para esta situação.
Todos os que em nós acreditaram e votaram, os que aqui vivem e no dia a dia constroem o seu futuro, não merecem, nem compreenderiam, essa incúria. Saibamos todos assumir e honrar as nossas responsabilidades.
Meus caros deputados municipais, numa altura em que nos arriscamos a encerrar o corrente ano com perto de 6.000 desempregados no nosso concelho, seguramente a taxa de desemprego mais elevada dos últimos 25 a 30 anos e uma das mais elevadas do país, não poderá haver lugar entre nós a uma nova OIF.
Temos todos de dar o nosso contributo cívico para o debate, de forma responsável e coerente, sendo o primeiro passo nesse caminho compreendermos o que está de facto em causa na proposta (e por trás dela) da eventual participação da CMF na sociedade PTT - Parque Tecnológico do Tâmega SA.
A CMF, num processo que se arrasta há largos anos, investiu até agora na ZAEV, entre a compra de terrenos e as infraestruturas já realizadas, mais de 6 milhões de euros, incluindo-se as comparticipações e subvenções públicas recebidas.
Face à evolução prevista nas expropriações em curso será necessário investir mais cerca de 5 milhões de euros para adquirir os 112.000 metros de terreno que ainda, ou não são propriedade da CMF ou não foram pagos.
O que eleva o investimento total desta primeira fase a mais de 10 milhões de euros sem que qualquer resultado, ou objectivo estratégico, em concreto, tenha sido atingido e algo de positivo daí tenha resultado para a comunidade, sendo cada vez mais ténue a possibilidade de recuperar e de rentabilizar tal investimento.
A ZAEV, à imagem da Zona de intervenção prevista para o alto das Barrancas em Revinhade, foi-se assim progressivamente transformando num autêntico sorvedouro dos recursos da Câmara, sem fim à vista, um verdadeiro “elefante branco” da vida municipal.
Para ultrapassar estes e outros problemas e assim tentar promover a solução do ordenamento industrial a CMF apresenta a esta Assembleia Municipal um pedido de autorização para participar numa “Empresa de âmbito municipal que visa a promoção do desenvolvimento económico e social de Felgueiras” a PTT - Parque Tecnológico do Tâmega SA, para a Promoção e Gestão do Acolhimento Empresarial e Tecnológico.
Tal proposta merece-nos os seguintes comentários:
1. Parece resultar claro que, ao longo de todo este processo, não houve a indispensável transparência, nem foi cumprido o inevitável dever de informação, quer a esta Assembleia quer, eventualmente, à vereação, a julgar pela evidente assimetria da informação que resulta da análise das diferentes declarações de voto dos Senhores Vereadores.
Recorde-se que no ponto 3 do artigo 4.º da Lei n.º 58/98
estabelece-se que:
Foram ou não realizados os indispensáveis estudos de suporte que sustentem um caminho de futuro para o acolhimento industrial de Felgueiras? Se foram, têm que ser do conhecimento dos interessados, se não foram têm de ser realizados e tornados públicos. Em qualquer dos casos a CMF está em falta nesta matéria.
Existe um Masterplan de Várzea? Esteve em consulta pública? Foi enviado aos membros desta AM? Conhecerá o Sr Presidente da Junta de Várzea tal documento estratégico sobre a sua freguesia ou as suas principais linhas orientadoras?
2. A solução de passar para terceiros, privados, que actuam numa lógica de negócio alicerçada apenas no lucro, aspectos de tão grande relevância como é certamente o desenvolvimento económico e social do nosso concelho, poderá desonerar no curto prazo a CMF mas não garantirá a defesa dos interesses dos nossos munícipes.
Na esmagadora maioria de projectos similares as respectivas Câmaras Municipais assumem o controlo accionista destas sociedades (Madan Parque; Taguspark; Tec Maia; Parque Urbis, etc.).
3. Os parceiros estratégicos apresentados – Mota-Engil e Martinfer - resultam claramente de um erro de análise ou de “casting” de quem nada percebe deste negócio em concreto, ou estaremos nós enganados e o verdadeiro negócio é a promoção imobiliária pura.
São seguramente empresas respeitáveis no âmbito da promoção imobiliária ou da engenharia mas não têm know-how especifico na dinamização de pólos científico-tecnológicos ou na dinâmica da captação de investimento. Onde está a API, o IAPMEI; a PME Capital; a PME Investimentos, etc.
4. Permanecem em aberto, ou não são do conhecimento desta câmara, elementos essências para o debate, sem os quais é impossível e até irresponsável autorizar a eventual participação na PTT.

a) Foi através da declaração de voto do Movimento de Cidadãos SP que ficamos a saber que o projecto não implica qualquer entrada de dinheiro por parte da CMF! Pretende realizar o seu capital em espécie? Em que condições? Mediante que contrapartidas? Como serão avaliados os activos que tem em sua posse e onde foram já investidos mais de 10 milhões de euros?
b) Comenta-se que o investimento total pode ir a 25 milhões de euros. Como e quando vai ser realizado e recuperado esse investimento? Ao serviço de quem e por que via será utilizado?
c) Como é que este projecto vai conseguir atrair investidores, empresas e novos negócios para Felgueiras?
d) Qual a forma prevista para a comercialização e que contrapartidas estão previstas para os investidores.
5. Pode ler-se que “O Município de Felgueiras não poderá, em caso algum, ser responsabilizado por dívidas, empréstimos ou quaisquer outras obrigações ou deveres assumidos imputados à sociedade.”
Como poderemos compreender essa circunstância quando a CMF ao assumir a qualidade de accionista, assumirá por inerência todos os direitos e obrigações que dessa qualidade decorre, só podendo ser este propósito compreendido à luz da mais elementar demagogia política.
Pela proposta de estatutos apresentada está mesmo obrigada a realizar prestações acessórias ou suplementares (Cfr. art. 6 nº 12 e 13) ou no seu art 10º “a sociedade pode emitir títulos de divida legalmente permitidos, designadamente obrigações de todos os tipos”.
Por outro lado, quem decide a gestão corrente da empresa é o seu CA, pelo que e nos termos da alínea e) do nº 1 do artº 24 dos estatutos pode ler-se “negociar com instituições de crédito operações de financiamento activas ou passivas, nos termos condições e formas que reputar convenientes.”
6. Quanto ao funcionamento em concreto da Sociedade Anónima e ao seu pacto social.
- Terá a accionista CMF algum Administrador na sociedade?

- Que controlo terá e garantirá aos seus munícipes a CMF com 10% do capital na sociedade?

- Que garantias existem de que os membros eleitos para o CA defenderão os interesses do ordenamento industrial de Felgueiras, sendo que serão designados e eleitos com os votos dos accionistas que controlam a sociedade? (artº 15).

- Existe ou não uma carta de intenções, de objectivos definidos para o futuro CA? Quantos empregos vão ser criados? quantas empresas? De que sectores, de que ramos?

- Quantos administradores terá em concreto a Sociedade? Nos termos do artº 23 podem ir de 3 a 9 membros!

- Nos termos do artº 18 os Administradores designados podem ser remunerados também com uma participação até 3% dos lucros na sociedade. No caso da accionista CMF ter um membro no CA de quem é esse provento, do Administrador ou da accionista CMF?
7. Foi referido existirem parcerias estabelecidas com as empresas de Felgueiras: Jefar SA; Quinta da Lixa Lda e Fapomed SA. O que é que quer significar “parcerias estabelecidas”? Vão deslocalizar as suas actividades, vão investir, vão criar emprego; vão diversificar os seus negócios?
Qual é o papel da UTAD; do IPP; do centro Tecnológico de Calçado em todo o processo? Vão ser accionistas? Com que parte do capital?
8. Por último de que servirá e a quem servirá tudo isto se a legislação que acaba de ser revista e que entra em vigor já no próximo ano vai inviabilizar a solução agora proposta pela CMF.
Por tudo o que aqui ficou dito e particularmente por tudo o não nos foi dito nem explicado, por todos os que em nós acreditaram e votaram, os que aqui vivem e no dia a dia constroem o seu futuro, não merecem, nem compreenderiam outra decisão que não seja o voto contra a participação na referida sociedade.
Saibamos todos assumir e honrar as nossas responsabilidades a bem de Felgueiras e das nossas gentes!