Manuel Vitorino
jornalista
Anda por aí um
ruído muito grande sobre a RTP, serviço público, futuras privatizações e
comichões sobre negócios. “Guerra de interesses”, dizem-me. Acrescento:
poderosos, milionários e com lóbis fortíssimos e interesses cruzados entre
a política e a alta
finança. Deixo essas encenações e as apreciações sobre o “documento dos sábios” para depois (que Marcelo apelidou de “nado-morto”…) para avivar memórias vagamente adormecidas: a RTP foi sempre a caixa de ressonância do Poder, de todos os poderes de ocasião, palco de exibicionismos serôdios, muitas vezes de gente sem nível e outras sem carácter. Têm, porém, uma almofada confortável: o poder político sempre protegeu quem lá colocou e os súbditos sempre foram venerandos e cúmplices das maiores cobardias e patifarias.
finança. Deixo essas encenações e as apreciações sobre o “documento dos sábios” para depois (que Marcelo apelidou de “nado-morto”…) para avivar memórias vagamente adormecidas: a RTP foi sempre a caixa de ressonância do Poder, de todos os poderes de ocasião, palco de exibicionismos serôdios, muitas vezes de gente sem nível e outras sem carácter. Têm, porém, uma almofada confortável: o poder político sempre protegeu quem lá colocou e os súbditos sempre foram venerandos e cúmplices das maiores cobardias e patifarias.
Foi assim nos
tempos do marcelismo e das “conversas em família” (lembram-se?) e depois do 25
de Abril a “caixa mágica que mudou o Mundo” escancarou-se para dar entrada a
gente pouco encartada e com cartão: uma vezes do PSD (foi fartar vilanagem nos
tempos do cavaquismo) e outras do PS ( um regabofe, sobretudo, nos tempos do
socratismo). E hoje com a Internet, uma série de plataformas digitais,
televisão por cabo para todos os gostos e feitios, temos a RTP com uma série de
canais inúteis (como, por exemplo, a RTP Memória) e uma factura astronómica,
com ordenados obscenos a figurinhas menores de opereta, programas indigentes,
tipo O Preço Certo, onde um sujeito gordo e anafadinho tenta enganar o pagode e
sacar à conta da estupidez. Como o dinheiro não estica e a factura sobe de
forma astronómica (segundo dados conhecidos, o Estado assumiu em Janeiro
passado uma dívida avaliada em cerca de 344,5 milhões de euros…) não admira que
o ministro da tutela tenha dito ”alto e pára o baile” e dado ordens para acabar
rapidamente com festança. “É possível fazer mais e melhor com menos dinheiro”,
diz. Para quem segue o esbanjamento de dinheiros públicos, somos levados a
acreditar sem custo acrescido que o governante tem razão.
Num tempo onde a propósito e a despropósito o “serviço público” vem à baila, muitas vezes com a ideia de confundir a opinião pública lembro o modelo da BBC cuja informação é mais rigorosa e independente do poder político onde são exibidas séries e documentários criativos e abertos a vários tipos de público, programas de entretenimento apelativos e imaginativos. Por cá, temos o que temos. Por exemplo, hoje, a programação da manhã destinou-se, como habitualmente, a entreter donas de casa e velhinhos. “Se o povo gosta e a receita tem êxito garantido, porque não dar-lhes a vitamina que precisam? As tardes são sempre de parolice e brejeirice abrilhantadas por João Baião (chamam-lhe “Portugal no Coração” e dizem tratar-se de um “talk-show” ligeiro, alegre e informal…) e depois do Telejonal, segue-se a habitual telenovela. Lá mais para a noitinha, aparece o Prós e Contras (ou Prós e Prós?) cujo ruído elevado e discussão deixam, geralmente, muito a desejar.
Num tempo onde a propósito e a despropósito o “serviço público” vem à baila, muitas vezes com a ideia de confundir a opinião pública lembro o modelo da BBC cuja informação é mais rigorosa e independente do poder político onde são exibidas séries e documentários criativos e abertos a vários tipos de público, programas de entretenimento apelativos e imaginativos. Por cá, temos o que temos. Por exemplo, hoje, a programação da manhã destinou-se, como habitualmente, a entreter donas de casa e velhinhos. “Se o povo gosta e a receita tem êxito garantido, porque não dar-lhes a vitamina que precisam? As tardes são sempre de parolice e brejeirice abrilhantadas por João Baião (chamam-lhe “Portugal no Coração” e dizem tratar-se de um “talk-show” ligeiro, alegre e informal…) e depois do Telejonal, segue-se a habitual telenovela. Lá mais para a noitinha, aparece o Prós e Contras (ou Prós e Prós?) cujo ruído elevado e discussão deixam, geralmente, muito a desejar.
A televisão que
defendo e cujos contribuintes pagam não tem nada a ver com este modelo
controleiro. Em vez de touradas, doses industriais de futebol e concursos pateta,
gostava de ter acesso a cinema de qualidade (que saudades dos ciclos
programados na RTP2, por Fernando Lopes) programas de entretenimento e lazer
concebidos para despertar a curiosidade dos espectadores, entrevistas a gente
com ideias inovadoras em vez das repetidas conversas a criaturas maquilhadas
pelo marketing, actores a falar de teatro (não existe um único programa sobre
Teatro na estação pública de televisão) criadores com provas dadas a falar de
artes visuais, documentários pedagógicos feitos com bom gosto e sabedoria, sem
falar de programas destinados a sensibilizar os jovens para a música clássica
ou outras formas de conhecimento musical. Para quem gosta de ler um texto de
forma diagonal lembro o seguinte: a arte e a cultura não podem ser sinónimo de
aborrecimento, antes prazer e descoberta. Querem exemplos?
Nos anos 70 e 80 do século XX, a televisão pública exibiu programas de grande qualidade estética, artística e cultural. Não eram “intelectuais”, antes pelo contrário, despertavam o interesse de milhões de espectadores. Como não perdi a memória cito, apenas, os programas concebidos e realizados na Áustria pelo maestro e compositor António Victorino d´Almeida que, enquanto adido cultural da Embaixada em Viena, enviava para Portugal as fabulosas e para mim inesquecíveis Histórias da Música (uma autêntica pedra no charco no meio da mediocridade); as conversas mantidas ao final de tarde pelo poeta David Mourão-Ferreira e pelo escritor Victorino Nemésio (as suas palavras sábias perduram no tempo) para não falar da excelente série de programas Zip-Zip, realizados semanalmente por Luís Andrade e onde Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz fizeram televisão de grande qualidade estética e visual, com parcos recursos humanos, tecnológicos e financeiros. Entre os muitos programas que admirei relevo um que ficará para sempre como um momento único na história da televisão em Portugal: foi quando a equipa decidiu entrevistar o Mestre Almada Negreiros - poeta do Orpheu, pintor, escritor, romancista e dramaturgo - num programa memorável a todos os níveis, com reportagens e entrevistas de rua (lembro-me de ver José Fialho Gouveia, de microfone em punho a registar depoimentos das pessoas que ficavam diante das reproduções das obras de arte expostas à porta do Teatro Vilaret, em Lisboa) e depois, a enorme lição de sabedoria, pedagogia e arte transmitidas pelo Mestre. Naqueles tempos, até o TV Rural a apresentado pelo engenheiro Sousa Veloso tinha mais audiência que o indigente “reality show” pago a peso de ouro pelos gestores da RTP.
No século XXI gostava de voltar a ver bons programas. Repito: não precisam de ser “intelectuais”. Só precisam de ser bem feitos, com ideias e gente que saiba o que está a fazer. Gostava de ter bom jornalismo nos telejornais, informação mais rigorosa do país real e plural. Gostava de ver mais reportagens, bons seriados, algum teatro e cinema. Pode ser um ciclo à volta de Tati ou Charolt. Por último, dispenso as habituais aves canoras a comentar tudo e mais alguma coisa, dando a vez e a voz a personalidades de reconhecido mérito pessoal, profissional ou artístico. Será pedir muito ou tudo não passa de uma utopia?
Nos anos 70 e 80 do século XX, a televisão pública exibiu programas de grande qualidade estética, artística e cultural. Não eram “intelectuais”, antes pelo contrário, despertavam o interesse de milhões de espectadores. Como não perdi a memória cito, apenas, os programas concebidos e realizados na Áustria pelo maestro e compositor António Victorino d´Almeida que, enquanto adido cultural da Embaixada em Viena, enviava para Portugal as fabulosas e para mim inesquecíveis Histórias da Música (uma autêntica pedra no charco no meio da mediocridade); as conversas mantidas ao final de tarde pelo poeta David Mourão-Ferreira e pelo escritor Victorino Nemésio (as suas palavras sábias perduram no tempo) para não falar da excelente série de programas Zip-Zip, realizados semanalmente por Luís Andrade e onde Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz fizeram televisão de grande qualidade estética e visual, com parcos recursos humanos, tecnológicos e financeiros. Entre os muitos programas que admirei relevo um que ficará para sempre como um momento único na história da televisão em Portugal: foi quando a equipa decidiu entrevistar o Mestre Almada Negreiros - poeta do Orpheu, pintor, escritor, romancista e dramaturgo - num programa memorável a todos os níveis, com reportagens e entrevistas de rua (lembro-me de ver José Fialho Gouveia, de microfone em punho a registar depoimentos das pessoas que ficavam diante das reproduções das obras de arte expostas à porta do Teatro Vilaret, em Lisboa) e depois, a enorme lição de sabedoria, pedagogia e arte transmitidas pelo Mestre. Naqueles tempos, até o TV Rural a apresentado pelo engenheiro Sousa Veloso tinha mais audiência que o indigente “reality show” pago a peso de ouro pelos gestores da RTP.
No século XXI gostava de voltar a ver bons programas. Repito: não precisam de ser “intelectuais”. Só precisam de ser bem feitos, com ideias e gente que saiba o que está a fazer. Gostava de ter bom jornalismo nos telejornais, informação mais rigorosa do país real e plural. Gostava de ver mais reportagens, bons seriados, algum teatro e cinema. Pode ser um ciclo à volta de Tati ou Charolt. Por último, dispenso as habituais aves canoras a comentar tudo e mais alguma coisa, dando a vez e a voz a personalidades de reconhecido mérito pessoal, profissional ou artístico. Será pedir muito ou tudo não passa de uma utopia?
Nota: o pecado original da nossa "querida televisão" reside num ponto: em Portugal, o Governo nomeia o presidente da RTP e o detentor do cargo fica desde logo refém das interferências pessoais, políticas e partidárias do momento. Foi assim no passado e foi assim ao longo de vários governos em Democracia. Os casos sucederam-se sem pejo ou vergonha.