quinta-feira, abril 05, 2012

"Madalena - fragmentos de um romance", de Francisco Moares Sarmento


O DIÁRIO DE FELGUEIRAS (DF) tem a honra de trazer à sua edição, em primeira mão, um magnífico excerto de um livro inédito, Madalena - fragmentos de um romance, que deverá ser editado durante este ano, da autoria do nosso colaborador e filósofo Francisco Moraes Sarmento. Um texto que vem muito a propósito nesta semana, da Paixão e morte de Cristo.
A imagem acima colocada é a da capa do livro. A seguir ao referido excerto, publicamos a sinopse desta linda imagem, muito bem concebida.
Obrigado, Francisco!
Madalena
Aproximam-se os seus dias de divindade. Se há tempo de magnificência do princípio feminino é o que se retira das horas que se avizinham. No seu particular, faustas e profundas razões convertem este tempo no que há de mais significativo, sagrado e santo.
Primeiro, é actual o reconhecimento da deusa, anjo ou feiticeira que, em si, existe; depois, nomeia-se Madalena, ou seguindo a tradição, Maria Madalena. Aduzo, ainda, outros aspectos: é mulher e foi à mulher que o Salvador não só revelou a vitória sobre a morte, como a fez anunciar aos homens, segundo a “pistis sophia”: assim, foi Madalena, e através dela todo o género feminino, eleita por Cristo como guardiã dos segredos, e se quiser, dos mistérios.
Ao proceder da espiritual e directa comunicação, Madalena inspirou o arquétipo masculino com o princípio feminino e, deste então, os homens que almejam à eternidade, ao infinito e ao absoluto, sabem que tal como o Espírito se ilumina pela Sophia, carecem do amor de uma mulher. Primeiro, para se realizarem a eles próprios, como entes espirituais, ungidos de lealdade e fidelidade; depois, para cumprirem a promessa que se deu ao mundo através do verbo a que Madalena deu voz. Eis o chamamento que estremece o corpo: "é no vosso interior que está o Filho do Homem; ide a Ele: aqueles que o procuram o encontram. Em marcha! Anunciai o Evangelho do Reino." 
O homem encarnado na sua liberdade criadora e construtora, é um momento necessário do espírito. E se a noção amorosa, vitória sobre a morte, penetrou todos os domínios do real e da existência, conforme o movimento espiralado que dou à sua compreensão, sem o sério e vero amor de uma mulher vê-se impossibilitado, efectivamente, de se determinar e realizar. 
Desde então, a mulher é alimento do homem, não apenas para satisfação do desejo, da necessidade e da fome, mas sobretudo, para evidenciar a mais sublime, perfeita e douta ignorância do mundo. A inspiração feminina  converte certos homens, os que sabem que não são "esboços de alma", em apóstolos segundo a doutrina leonardina da alegria, a dor e a graça, modos teológicos do bem, da verdade e da beleza.
Deseja-se a mulher como se saboreiam as palavras. Ambas, comem-se com elegância, requinte e subtileza. A sedução, o erotismo e a sensualidade dos gestos e das palavras são formas da imaginação para desabrochar a rosa amorosa e, com ela, acordar os elementos telúricos do corpo. Amar sem segredar o verbo é não introduzir o sémen espiritual e recusar todo o significado da carne. Emerge, então, o malogro da promessa iludida que não gera nem concebe.
Num tempo de jejum e abstinência, deveria ter o juízo adequado à época. Sim, a ortodoxia iniciática faz-me heterodoxo. O espírito que assiste à minha errante escrita assim o quis: dizer-lhe que, através das nossas almas amantes, a desejo em carne e espírito ou, se preferir outros termos, a quero em pensamentos, palavras e actos.
Um beijo
C. Bruno
Sobre a capa do livro:

A imagem da Vanda Leitão, designer, é muito bela e, como toda a autêntica beleza, contém uma inefável sensualidade. Um sereno abraço cósmico, laço dos amantes, é a adivinha da visão. Aproximando-nos de pormenores, eis que a revelar os seios e a esconder  os mamilos, temos a cruz à direita e a flor posta sobre o coração. Se o seio da mulher alimenta toda a vida de um homem, a imagem sugere um curioso dilema: beijar a cruz e, depois, com a bênção dos deuses abandonarmo-nos ao manjar que se oferece; ou, pelo contrário, suavemente afagar a flor para acariciar, de modo discreto, suave e subtil, o seio. A cruz e a flor são naturalmente evocados pelos amantes que conhecem a inviolabilidade do corpo e o significado da carne.