quinta-feira, dezembro 16, 2010

Condomínio Aberto, de Alice Rios | lançamento na 2.ª feira, no Porto


Formiguinha e loba, convicta e frontal, dedicada e meiga, lúcida e maternal, Alice Rios, escritora e jornalista, nossa amiga e "companheira de estrada e de lutas serenas", vai publicar, já na próxima segunda feira, dia 20, o seu novo livro, desta vez de poemas, que estavam guardados na gaveta do tempo, cujo jorro (límpido e claro) se foi avolumando nas últimas quatro décadas.
A obra será lançada na Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto e a apresentação será feita por Carlos Magno.
Trata-se, de facto, da primeira obra poética trazida a lume, que incendeia, não em função de apelos ou de revoltas mas de alertas, de testemunhos, emoções autenticamente sentidas, vivências gradas e outras nem tanto, mas que não deixam de ser insubmissas - insubmissas e, ao mesmo tempo, dóceis.
"Condomínio Aberto" é o título do livro, trazido à estampa pela Edita-me. A obra, com mais de 80 páginas, reúne, de facto, criações produzidas pela autora desde os finais dos anos 60, em que cabem todos os sentidos, como, por exemplo, o amor, a crítica social e o próprio sentido da vida.
Recorde-se que a escritora, que já foi professora e trabalhou na redacção do JN durante 16 anos, é a autora das Famílias Tradicionais do Porto (obra volumosa e importantíssima que está a ser publicada em tomos) e de dois livros de literatura infantil.
O DIÁRIO DE FELGUEIRAS tem a honra de fazer a pré-publicação de dois poemas do livro.
Parabéns, Alice!
JCP
CASAMENTO

Casámos
e, primeiro,
dizíamos tudo,
- muita coisa!
Não havia erro algum
e eu podia sair de mim
porque os dois éramos um
e o amor
era dia-sim, dia-sim.
Depois,
já se marcava hora e lugar
para falar.
O espaço da intimidade
era uma cartografia
individual
e não havia plural
na gramática da relação.
Porque tu eras tu, eu era eu
e o amor, então,
era dia-sim, dia-não.

Agora,
as palavras mergulharam
no silêncio,
perderam a razão
e o amor
é dia-não, dia-não.
Eu sou a esperança revogada
e tu, afinal, não és nada!


JORNALISMO ASSÉPTICO

Vozes dispersas reclamam do jornalismo e dos jornalistas.
Vozes persistentes criticam a Informação que temos...
Ouço-as ao longe, essas vozes, vindas do meio do povo,
do seio da economia e dos corredores do Poder...
E que vejo eu? O culpado é quem lança a pedra!
“Vendidos!” - acusa a turba em uníssono.
E os visados, amorfos ou comprometidos (?), não reagem.
Ninguém quer saber se é tudo verdade ou tudo mentira.
Mas... e o espírito de classe e a camaradagem?
Recordo um tempo, não distante, em que ia pela cidade
em busca de coisas com que pudesse orgulhar-me
de escrever uma página de jornal. Que prazer
apanhar a história na boca dos protagonistas!
E a camaradagem, a partilha, a entreajuda:
“Queres um título?” “Eu faço-te as legendas.”
Nesse meu porto de notícias havia chefes que diziam
poesia entre uma secretária e outra
e sabiam ouvir a voz do povo
(a voz do povo é a voz de Deus).
Agora a poesia vive nas bebedeiras de alma
de alguns marinheiros deste porto.
Desse porto de notícias, guardo ainda
o som dos últimos cliques das velhas
azerte
e das heróicas hcesar e recordo a chegada da Internet,
mas digo, que desde a galáxia de Guttenberg
nenhuma outra revolução marcou tanto
a qualidade do jornalismo como a purga tabágica.
Pessoas que no passado conviveram, sem mossa
nem revolta, com outros mantos ou cortinas de fumo
e de ferro, hoje aplicam ao cigarro a tolerância zero
e instauram a Redacção como espaço asséptico.
Eis o fm do jornalismo assistido. Continuamos
a ter jornalistas e notícias? Pois sim, mas não é
a mesma coisa. Notícia é matéria das ciências sociais
e humanas e não de produto bacteriologicamente puro.
Reclamam? Que reclamem! Sem camaradagem
e sem nicotina queriam coisa mais fna?
O fumo e o odor acre de cada puxa conferiam
ritmo e qualidade ao texto. Agora o jornalista discorre
sozinho e o seu desempenho é menos efciente…

O meu porto de notícias é agora um lugar estranho.
Se lá voltar sentirei o desconforto da camaradagem
ausente e faltar-me-á aquele cinzeiro carregado,
donde se desprendia um odor de cinza envelhecida,
sinal de que a notícia tinha passado por ali.
Não sei se voltarei...




Nota biográfica
Alice Rios nasceu em Santa Maria de Lamas (Santa Maria da Feira). É jornalista.
Os primeiros textos (crónicas, poemas) publica-os na década setenta (Século XX) em jornais e revistas.
Vence cinco edições do concurso "Cartas de amor quem as não tem?", da Crónica Feminina.
“Famílias Tradicionais do Porto” é a sua primeira obra, em 2008. Em Junho de 2009, estreia-se na escrita para a infância, com “Os Borlububos e os Sem-Abrigo” e, no final do ano, publica o II tomo de ”Famílias Tradicionais do Porto”. Em 2010 apresenta na Feira do Livro uma nova história para a infância: “Os Borlububos e a Dança das Letras.”
Alice Rios vive no Porto

Trajectória profissional
Em 1973 inicia funções docentes na Escola de Jesus Maria José (Porto).
Em 1975 inscreve-se no 1º Curso de Iniciação ao Jornalismo, no Instituto de Formação Social e do Trabalho (IFST), no Porto. Repete-o em 1976, com novos conteúdos e carga horária duplicada. No ano seguinte, decide ampliar a formação, fazendo novamente o curso que o IFST apresenta com a duração de um ano escolar.
Em 1984 ingressa na Escola Superior de Jornalismo e, em 1987, assume funções de jornalista, na redacção do Jornal de Notícias, começando pelo desporto e fixando-se, depois, na secção do Grande Porto. Paralelamente, assina a secção de Moda na revista Notícias Magazine e colabora com a Rádio Nova e com as revistas Medicis e Máxima.
Ao longo de 16 anos de carreira é várias vezes entrevistada por colegas da Rádio e da Televisão, sobre a especificidade do seu trabalho no Grande Porto e na área da Moda, e profere conferências sobre Os Novos Rostos da Prostituição Feminina e o Tráfico e Exploração Sexual de Mulheres, a convite da Comissão para a Igualdade para os Direitos das Mulheres.
É várias vezes distinguida, quer como reporter da cidade, quer como jornalista de Moda.