A República não é um mal, porque se trata de uma necessidade histórica; não é um bem absoluto, porque foi apenas uma das muitas metas a alcançar no processo dialéctico da História e da ascensão do Homem ao seu poder de decidir.
Antero tinha dito, no século XIX: “O facto supremo do nosso século (XIX) foi a entrada definitiva do Povo na cena da História”. A monarquia, mesmo com a Regeneração e com a sua componente constitucional, não entendeu isso. A ditadura de João Franco e o Ultimatum, nos finais do século XIX, foram o desfecho impetuoso para o Regicídio, em 1908, e para a implantação da República, passados dois anos.
Portanto, a República foi inevitável. E necessária… Por muito que se diga, por muito que se escreva o contrário.
Nascida da burguesia demoliberal, urbana, positivista, maçonica e carbonária, a República propunha-se a realizar os ideais traçados pela Revolução Francesa, ou sejam: democracia, laicidade, liberdade, igualdade de oportunidades, cultura, educação, cidadania, progresso e desenvolvimento económico e social. Na sua luta romântica de chegarem ao poder, os republicanos não estão isentos de terem usado a violência, mas violento tinha sido, também, João Franco, e toda a Europa era muito violenta, nessa altura.
Algumas das utopias do ideal republicano foram concretizadas no terreno; outras, simplesmente esquecidas. Por exemplo, promoveu-se a cultura, a expansão do ensino, a polémica lei do divórcio e - mais polémica ainda - a lei da separação do Estado em relação às Igrejas (neste caso, antecipando-se, assim, ao Concílio Vaticano II, que, nos anos 60, acabou por reconhecer a laicidade como factor de democracia dos Estados), etc… Porém, a nível social, a República cometeu o erro de se esquecer das reivindicações do operariado das cinturas urbanas, que, a dada altura, tinha acreditado que aquele grupo de liberais republicanos haveria de atender às preocupações sociais do povo português. Quando a República chega ao poder em Portugal, campeava no país a miséria e a fome, um sistema rural improdutivo, o Estado a abarrotar de dívidas em relação ao exterior e um país de analfabetos.
Já muito se disse e já muito se escreveu sobre aquela que foi a primeira experiência democrática em Portugal – a I República – , entretanto fracassada, que culminou com o golpe de Estado de 1926 e consequente consolidação do Estado Novo e da sua génese, que foi a longa noite da ditadura.
A I República cometeu erros, mas não é responsável por todos os erros, como muitas vezes se pretende fazer crer. A sua principal “certidão de óbito” foi a participação de Portugal na I Guerra Mundial, é certo, mas essa participação, a nosso ver, foi inevitável, porque o assunto também dizia respeito ao país e ao seu governo: em jogo estava a chamada “partilha de África”, nomeadamente com os territórios de Angola e Moçambique. Aliás, a questão africana foi o motivo para o vergonhoso Ultimatum, por parte da Inglaterra, evento histórico que ajudou a enterrar também a monarquia e, muito mais tarde, já nos anos 60 e 70, a enterrar ainda o Estado Novo, com a guerra no Ultramar – factor decisivo para a Revolução de Abril, em 74. Muitos dos que vociferam contra a I República alegam que Salazar terá sido mais hábil com o facto de Portugal não ter participado na II Guerra Mundial. Mas a realidade portuguesa e europeia aquando da primeira Guerra e aquando da segunda são totalmente incomparáveis: enquanto a guerra de 14 envolvia directamente interesses também portugueses, no contexto dos interesses das potências europeias, a de 39 não. E quanto à primeira guerra, há um culpado português maior no cartório, que não é Afonso Costa, como muitas vezes se refere, mas Sidónio Pais, que abandonou as tropas portugueses, deixando-as ao “deus-dará” em campo de batalha, até ao fatídico 9 de Abril, em que morreram milhares e milhares de portugueses. Como se sabe, Sidónio Pais veio a ser assassinado, no Rossio, um ano após de querer afirmar-se “presidente-rei” de Portugal, num atentado a tiro, não num mero acto político mas mais por vingança pessoal de um militar que tinha sido abandonado no campo da batalha. Se não tivesse morrido no atentado, Sidónio iria fazer o papel de Salazar: impor uma ditadura, uma Constituição igual à de 33 e a interrupção da República por muitos e muitos anos. O “regime” de Sidónio foi o prelúdio do Estado Novo. No entanto, nem Sidónio nem Salazar tiveram a coragem de substituir a República interrompida por uma nova monarquia. Nem semântica nem estruturalmente em relação à lei orgânica.
E assim sobreviveu o ideal republicano até aos nossos dias, interrompido mas não assassinado em Maio de 1926, ressurgido em 25 de Abril de 74.
Portanto, quer se queira, quer não, nós - os Portugueses, somos naturalmente republicanos. Uma república onde, também, cabem republicanos e monárquicos, católicos, protestantes, não-cristãos e ateus.
A República não é o fim da História, mas é, a nosso ver, como dissemos, uma das muitas metas a alcançar no processo dialéctico da História. Um avanço, uma realização…
JCP