sexta-feira, junho 04, 2010

Ele era um homem fundamental, que não gostava de dar nas vistas.

João Aguiar (1943-2010),
o escritor que amava a história

Foi a mãe que o ensinou a ler para que ficasse sossegado na cama quando estava doente. De leitor interessado, João Aguiar rapidamente passou a aspirante a escritor. Tinha apenas oito anos quando quis escrever o seu primeiro livro de aventuras, mas teve de esperar mais 32 até publicar o seu romance de estreia, A Voz dos Deuses. E a partir daí nunca mais parou.
João Aguiar morreu ontem em Lisboa, aos 66 anos, com um cancro, deixando inacabado mais um livro, desta vez sobre a revolução de 1385. Foi no romance histórico, aliás, que fez grande parte da sua carreira literária, começando pelas aventuras de Viriato, que descreve como um génio militar e político capaz de desafiar Roma em A Voz dos Deuses (Perspectivas & Realidades, 1984, hoje na Asa), e passando por títulos como Os Comedores de Pérolas e O Dragão de Fumo.
Nascido em 1943, João Aguiar viveu a infância entre Lisboa e a Beira, em Moçambique. Foi em Portugal que frequentou os cursos de Direito e Filosofia, mas acabou por ser em Bruxelas que se licenciou em Jornalismo.
Considerou-se sempre jornalista, mesmo depois de abandonar a actividade profissional. Começou pela RTP e passou depois por jornais como o Diário de Notícias, A Luta e O País.
João Aguiar escreveu cerca de duas dezenas de romances que o levaram a estudar aprofundadamente a história de Portugal. Na sua obra merecem destaque, para além dos títulos já citados, A Hora de Sertório (1994), A Encomendação das Almas (1995), Inês de Portugal (1997) e o último que publicou, O Priorado do Cifrão (Porto Editora, 2008), uma crítica ao mundo criado por Dan Brown.
Pelo meio, João Aguiar criou ainda duas séries televisivas para os mais jovens - Sebastião e os Mundos Secretos e o Bando dos Quatro - e fez também o libreto da ópera A Orquídea Branca, de Jorge Salgueiro, que lamentava ontem a perda de "um homem sábio, muito sóbrio e humano".
Também os escritores Mário de Zambujal e José Jorge Letria, presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, salientaram as suas qualidades humana e literária. "Era um grande escritor, dos mais importantes das últimas décadas em Portugal", disse Letria. "Lembro-me dos bons dias que passámos juntos à conversa e agora não posso deixar de sentir a mágoa de ver partir um amigo", acrescentou Zambujal. Para Manuel Alberto Valente, o editor de João Aguiar nos últimos 20 anos, na Asa, a obra do escritor, "sobretudo a do romance histórico, ficará como uma parte importantíssima do romance português do século XX".
Numa autobiografia irónica que escreveu para o Jornal de Letras em 2005, João Aguiar concluía: "A minha vida não dava um livro, e ainda bem." Mas os seus livros tinham muitas vidas.

Notícia do Público e Lusa