quarta-feira, maio 06, 2009

A coragem das Irmãs Oblatas

Irmãs Oblatas juntaram-se às prostitutas e gays na manifestação do 1.º de Maio em Lisboa

As agressões de que foi vítima Vital Moreira, na manifestação do 1.º de Maio em Lisboa – facto que abriu todos os noticiários televisivos, durante dois dias –, ensombraram a notícia de um outro acontecimento, muito mais importante e muito mais revelador nos dias de hoje, que foi a participação de duas freiras das Irmãs Oblatas (sendo uma delas Madre Superiora responsável portuguesa daquela congregação internacional) na referida manifestação sindical, em que brilharam pelo seu espírito aberto ao diálogo com prostitutas (“operárias do sexo”) e com um grupo de gays. Sem paternalismos doutrinários...
A notícia vem no "Público", do passado sábado, em dois envergonhados parágrafos (7.º e 12.º) do texto assinado pelo conceituado jornalista Paulo Moura.
Não são inéditas nem de hoje estas atitudes de intervenção por um mundo mais tolerante e compreensivo por parte de membros católicos. Na história das religiões – mormente a Católica –, encontramos membros clarividentes e muito avançados em relação aos seus superiores espirituais, fruto da consciência da realidade do mundo do tempo em que vivem. E não são tão poucas, essas pessoas, dentro da Igreja, com ardente desejo de debate no sentido de serem encontradas respostas, caminhos… e mudanças em relação a temas que as sociedades modernas vão levantando. Reconheça-se que essas questões não são fáceis para a Igreja, mas não devem ser eternamente adiadas e ignoradas, como se não existissem.
No caso concreto, as Irmãs Oblatas, na dita manifestação, não falaram por falar, não quiseram provocar ou escandalizar as mentes menos abertas ao diálogo. Apenas alertaram, deram o seu testemunho. Porque as Irmãs Oblatas acompanham, há 30 anos, após apelo feito pelo então Patriarca de Lisboa, António Ribeiro, o mundo da prostituição, não como “assistentes sociais de gabinete” mas, tal como Cristo, como dignas interventoras no terreno.
O bom cristão toca, se necessário, a mão do leproso para o ajudar e dá-lhe a presença viva de Cristo com as suas palavras e com a sua intervenção principalmente social.
Portanto, as palavras reproduzidas no “Público” não devem ser tidas como provocatórias mas como expressão de uma autoridade moral que aquelas humanas criaturas acumularam ao longo de décadas, e que não a reclamam…
Abertura e diálogo, como no episódio samaritano, são fundamentais, independentemente da opinião que cada um tenha sobre as matérias em aberto, muito em voga designadas como "fracturantes". O debate não pode ser encarado como uma disputa cultural entre “esquerda” e “direita”, entre "Antigos" e "Modernos". A catalogação seria discriminatória.
Neste turbilhão de vontades e pensamentos diferenciados de que é pródiga a sociedade moderna, o Papa diz não aceitar o Relativismo. E fica-se por aí!… É pouco! É desta forma que as respostas da Igreja vão sendo adiadas; os fiéis mais lúcidos ficam sem respostas concretas… Por exemplo, o testemunho dado por estas freiras demonstram claramente que as mulheres – na generalidade, mais do que os homens – têm uma particular feição maternal que poderia humanizar mais a acção do sacerdócio. Reconheça-se que a mulher tem mais capacidade para receber e ouvir os jovens, os doentes, os desfavorecidos e os idosos. É que um padre não pode ser apenas um “gestor de voluntários”; tem de estar, também ele, no terreno. Por isso, para além de outros assuntos, como a questão do celibato dos padres, não se compreende que, no limiar do terceiro milénio, as mulheres são possam desempenhar as tarefas pastorais que são confiadas apenas aos homens.
O problema que estas humanas criaturas encontram dentro da própria Igreja, a seguir a uma intervenção como esta -
como a da irmã Maria dos Anjos Gorena -, é que passam a ser ignoradas pela linha oficial e ostracizadas pelos irmãos mais resistentes ao diálogo. Um convite indirecto para que abandonem a sua missão.
Depois da “avalanche” dos anos 60 - década do Concílio do Vaticano II, que produziu muitas esperanças de evolução na Igreja, evolução ainda mal iniciada! – foram muitos os membros católicos, principalmente padres, que saíram, desanimados com a não efectiva mutação histórica dentro da sua religião. Veja-se, por exemplo: a retirada dos jesuítas do Vaticano, iniciada por João Paulo II e terminada com Bento XVI. E, hoje, na Congregação para a Doutrina da Fé ainda se tenta, envergonhada mas teimosamente, impor a teoria da Criação e arranjar motivos para desvalorizar a investigação de Charles Darwin, como se o Pai Natal existisse!
Há 20 anos – ano da queda do muro de Berlim, depois do efeito avassalador da Perestroika na antiga União Soviética –, o PCP resolveu “abrir” as páginas do jornal “Avante” aos militantes críticos da linha oficial do partido, então dirigido por Álvaro Cunhal. Lembramo-nos muito bem que um desses críticos, de grande acutilância “auto-crítica” (pretensa auto-crítica do partido), foi o militante e historiador António Hespanha. Conclusão: o jornal acabou por não publicar mais críticas adversas; os militantes que manifestaram a sua crítica foram identificados nos seus Centros de Trabalho; na Festa do Avante seguinte, Cunhal disse, no comício de encerramento: “os que não concordarem com as decisões do colectivo dos camaradas, podem abandonar o partido, porque ninguém é obrigado a permanecer contra a vontade”.

Ler o 1.º link, jornal Público, de 2 de Maio (7.º e 12.º parágrafos)
Maria dos Anjos Gorena é Madre Superiora das Irmãs Oblatas. Desfila com um guarda-chuva vermelho, símbolo das prostitutas. Ela e outra freira, juntamente com sete prostitutas, desfilam também integradas nos Panteras Rosa. “Não conhecia este grupo. Mas são pessoas fabulosas, estes gays”, diz a Madre. O importante é trabalharmos em conjunto”. Algo pouco comum na Igreja Católica... “Esqueça a Igreja Católica. Jesus se estivesse aqui, estaria a distribuir preservativos às prostitutas.(..) As sete prostitutas erguem os cartazes: “Prostituição: não ao preconceito. Sim à pessoa!” É a primeira vez que desfilam. Para a sua classe, é um momento histórico.Deviam usar máscaras”, critica a Madre Superiora. “É preciso introduzir alguma criatividade nestas manifestações”.
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