quarta-feira, outubro 15, 2008

Estimados leitores:
O prestigiado especialista de investigação criminal Dr. Barra da Costa deu-nos conhecimento, ontem, por e-mail, de uma carta que dirigiu ao Sr. Ministro da Justiça, com data do dia 7 do mês corrente, enviando-nos o teor da mesma, com documentação anexa.
Considerando tratar-se de assunto de interesse público, e sem tomarmos partido por nenhuma das partes que se opõem num processo judicial, o DIÁRIO DE FELGUEIRAS publica essa mesma carta bem como os referidos anexos.
Agradecemos ao Dr. Barra da Costa o envio da informação.
José Carlos Pereira

Excelentíssimo Senhor
Ministro da Justiça

Excelência

Na quinta-feira, 7 de Outubro de 2004, escrevi na então «minha» página semanal do jornal 24horas o texto que junto como «anexo A».
Passadas algumas semanas sobre essa denúncia pública a visada EMEL, Empresa Municipal de Estacionamento de Loures, apresentou queixa no Tribunal de Loures.
Acerca dos factos, entre outra documentação, foi elaborada uma participação de duas páginas - «anexo B» - pela Polícia de Segurança Pública de Loures, que na altura chamei à sede da dita EMEL em meu socorro e para desempenhar a sua legítima função de autoridade pública.
Acerca desta matéria e atenta a danosidade social produzida pela EMEL permiti-me juntar aos autos em apreço - 3492/04.5TALRS - alguns documentos que estavam afixados pela cidade de Loures, em locais e repartições públicos, e lojas de comércio, bem como abaixo-assinados enviados à Câmara Municipal de Loures e que me foram entretanto entregues por cidadãos anónimos, comerciantes e entidades colectivas - «anexos C, D, E, F».
Em consequência o caso foi julgado no 4º Juízo Criminal do Tribunal de Loures, presidido pela Meritíssima Juiz Ana Clara de Jesus Silva Serra Baptista. O signatário saiu absolvido das acusações que lhe tinham sido imputadas.
Prevendo este desfecho lógico, alguns funcionários da EMEL apresentaram no mesmo tribunal outra participação contra o signatário, tentando lavar uma honra que demorou muitas outras semanas a ser ofendida.
Em consequência dessa revanche resultou o processo 18/05.7TALRS, no final do qual o signatário veio a ser condenado no 2º juízo criminal de Loures pela juíza Maria Orlanda Pedro Silva Marques e, já agora e por ser verdade, pela procuradora-adjunta Maria Fernanda Jesus Tomé, na falta de coragem para estar presente do acusador inicial Rui Miguel Pereira Cardoso[1].
Sobre esse escarro jurídico já vários apontamentos foram publicados, designadamente no jornal Jornal de Notícias, nos dias 12.07. e 16.08, ambos do corrente ano – «Anexos G e H» - pelo que me dispenso de fazer qualquer outra consideração.
Aliás, não reconheço a este conjunto – à EMEL, atacando em matilha, e ao tribunal que me condenou pelas razões que são públicas e nada têm a ver com os falsos factos denunciados – qualquer autoridade, moral, mental e muito menos profissional para me atingirem na minha honra e dignidade pela forma como o quiseram e fizeram.
Por isso entro directamente no assunto que me traz a Vossa Excelência enquanto responsável pela Justiça.
Assim,
O tribunal de Loures, notificou-me nesta data por envio simples de correspondência – uma prática que resultou, por exemplo, quando foi preciso levar-me a julgamento sem sequer me notificar para a possibilidade de requerer a abertura de instrução - uma liquidação relativa aos autos em apreço - «Anexo I» .
O valor indicado para o total a pagar de custas é de 241,92 €.
Acontece que o mal que me foi feito não se resolverá nunca com operações desta natureza. Na verdade, o valor certo é de 480 €, isto porque fui também condenado em 5 UC. E se uma UC são 96€... viva a matemática já que o direito morreu.
Entendo perfeitamente, como sempre entendi, que vergonhas como as que acabei de relatar pesam na consciência, mas não é tentando comprar o meu silêncio e a minha revolta que se repõe a verdade dos factos. Primeiro, porque não me vendo, pelo menos por um preço destes; segundo, porque também não me sinto culpado da falta de inteligência de alguns para avaliar do sentido e alcance da minha condenação, por injusta.
Agradeço, por isso, através de Vossa Excelência, que os serviços competentes (!) me enviem uma nota para efectuar a liquidação que me é devida. Que pagarei, porque eu nunca quis ser perdoado, mesmo pelos erros que não cometo. Mas, que não reste a mais pequena dúvida de que cada um pagará os seus. Não será sem fundamento que o signatário vai esquecer que foi educado no princípio de que «quem não quer ser lobo não lhe veste a pele».
Finalmente,
não lhe peço JUSTIÇA, Senhor Ministro da Justiça.
Pela simples razão de que não tenho culpa de ter nascido neste paraíso criminal em que se transformou Portugal. Mas sempre lhe exijo – ainda tenho esse direito? - uma pátria que me mereça, a mim e a muitos outros cidadãos que querem continuar a temer mais a morte do que a injustiça.

Loures, 13 de Outubro de 2008

José Martins Barra da Costa

[1] Como diria o ilustre P.G.R., Dr. Pinto Monteiro, já em finais de 2007 ao jornal Correio da Manhã, “no Ministério Público quem investiga tem de acompanhar o julgamento. Uma sala de audiências é um espelho para o público em geral e, portanto, não pode aparecer alguém mal preparado”.

ANEXO A
(Barra da Costa, 24horas, 13.7.2004)
O BANDO DA EMEL

EMEL é o conjunto das iniciais das palavras Empresa Municipal de Estacionamento de Loures. Bandos são grupos de dimensão reduzida que não se integram no meio social, caracterizando-se pela partilha de padrões de comportamento (linguagem, símbolos e artefactos) e prática de desvios que suscitam a reacção da opinião pública e das autoridades, podendo apresentar síndroma pré-militar e ódio aos trabalhadores.
Neste caso, de manhã à noite, faça chuva ou sol, ora escondidos nos umbrais, ora dobrando as esquinas pela calada, percorrem com pés de veludo as calçadas, armados de vícios antigos, prontos a chupar o sangue dos condutores que estacionam a viatura e se esquecem de meter a moeda no parcómetro. Facultada a oportunidade, é vê-los avançar com ar sisudo e instalar o bloqueador na roda, para logo fugirem rápidos, deixando colado no vidro o aviso da cor de sangue fresco. Nada os prende à humanidade dos que produzem mais-valia. São os mordomos da Câmara, que os fez senhores à força, e de quem até a Polícia tem medo. Mandadores sem lei, dançam ainda sobre o gozo do sofrimento alheio depois de atraírem a vítima ao interior dos seus balcões efeminados.
Dezassete minutos foi quanto demorou esta semana um pai desde que estacionou o carro para receber a receita do médico até voltar da farmácia, após aviar o receituário para a filha. Mas como não meteu o dízimo, foi bloqueado. Protestou contra a indignidade do exagero. E por isso teve direito a um tempo de terror suplementar. E a criança acabou hospitalizada, porque o remédio chegou tarde demais. Como testemunha o registo 895/04 da PSP local.
As autarquias que resolveram “capitalizar” através destes métodos bem podem limpar as mãos à parede. A História ensina, aliás, que o cumprimento de certas leis não termina com o problema de consciência dos que se acobardam e se vendem à sua doutrina.
ANEXO G
(Barra da Costa, JN, 12.7.2008)
VIOLÊNCIA E TRIBUNAIS

No exercício da autoridade até há pouco só os polícias eram agredidos fisicamente. Com os episódios recentes das agressões a magistrados em funções, que igualmente repudio, o problema chegou aos tribunais.
Mas, há outros tipos de violência. Não falo do juiz Caldeira ou do delegado Melo dos tribunais plenários, num tempo de magistratura pouco democrática, em que alguns mais omnipotentes e «irresponsáveis» até assistiam ao espancamento dos réus pela polícia na sala de audiências.
Falo daqueles e daquelas que, hoje como dantes, não respondem perante ninguém. Porque ainda há quem chegue a julgamento sem que a acusação lhe tenha sido notificada, logo, sem ter podido exercer o direito de requerer a abertura de instrução. E há a advogada da comarca que sabe da nulidade insanável, que o réu não cala (conforme gravações), mas acobarda-se para que a juíza lhe deixe um dia vencer uma causa. E o procurador que atira a pedra e esconde a mão, deixando a uma colega o papel de advogada de acusação, quando, afinal, o MP nem é parte. E a juíza que sentenciou antes mesmo do julgamento acabar e impede o réu de falar no final das alegações, cortando-lhe o direito ao contraditório. E o inocente condenado por convicção, não pela prática do eventual crime de que é acusado mas por denunciar estas vergonhas no jornal ou na TV.
Esta violência não é física, mas estrutural (e dói mais do que uma bofetada). Uma e outra só se resolvem quando alguém reconhecer que não se pode ser complacente com bandidos. De qualquer tipo.
ANEXO H
(Barra da Costa, JN, 16.8.2008)
AS MOSCAS

Mesmo após a recente libertação pelo tribunal de Loures de um evadido, o ministro da Justiça defendeu que os dados não justificavam alterações ao último Código de Processo Penal (CPP).
Rui Cardoso, o sindicalista do MP que logo depois da publicação do CPP apareceu no telhado do dito tribunal a dizer que a segurança da comunidade fora colocada em causa, afrontou de novo o ministro atirando que há investigações comprometidas pelo atraso nas perícias.
Eu argumento que, qualquer que seja o CPP, a legalidade formal dos tribunais não se altera. A sua legitimidade substantiva é que se esvazia quando os cidadãos deixam de confiar num órgão que viola o Direito que os rege.
Quando o procurador Rui atira a pedra a um arguido (que nem teve direito a requerer a abertura de instrução) e esconde a mão, isto é, acusa e depois não comparece no julgamento, não é o CPP que anda mal. Quando Fernanda Tomé toma as dores do colega e se transforma em «advogada de acusação» contra o réu, cujo «crime» fora colocar no lugar um grupo conhecido por actuar em matilha - leia-se EMEL – não é o CPP que anda mal. Quando Orlanda Marques aceita que o MP seja parte e tenha um interesse contraposto ao réu, não pelos factos em julgamento, mas porque este afronta nos media algumas moscas, não é o CPP que anda mal. Quando a condenação resulta apenas da convicção da juíza e da credibilidade que esta nega ao réu, não é o CPP que anda mal. Mal anda quem não ouve o PGR: uma sala de audiências é um espelho para o público.