quinta-feira, novembro 01, 2007

Um mandato preso à barra do tribunal



















Como é que se gere uma autarquia se a presidente de câmara passa três dias por semana no tribunal, em sessões de audiência com um calendário extenso? Essa é, sem dúvida, a grande questão colocada pelos felgueirenses, dois anos depois de Fátima Felgueiras ter sido eleita presidente do município. Sem obra à vista, a autarca centraliza em si toda a gestão municipal, desde o simples pedido para a instalação de um contador de água às decisões mais importantes. A vereação não revela personalidade própria, a cidade e o concelho não fervilham e as juntas de freguesia sentem-se atadas sem capacidade financeira.



O xadrez político está confuso. Socialistas e ex-socialistas, misturados com alguns sociais-democratas, permanecem ao lado da "dama de ferro" que, apesar do terramoto político, conserva a popularidade, sobretudo junto das mulheres e dos eleitores mais velhos. A Oposição, entrincheirada neste reboliço, não tem alternativa e aposta tudo por tudo na condenação judicial da autarca, para tentar ascender ao poder do município.



"Não se vê uma grua..."



Os dois anos de mandato de Fátima Felgueiras ficam claramente marcados pelo julgamento do caso "saco azul", reflectido na dinâmica (amorfa) do concelho.

"Se subirem ao alto de Santa Quitéria e olharem para a cidade não vêm uma grua ao alto. Está tudo dito...". O desafio lançado por um munícipe revela o estado de alma dos felgueirenses e, mesmo afirmando-se amigo de Fátima Felgueiras, pediu para não revelar o nome, uma atitude comum a várias pessoas.


O concelho parece mergulhado numa apatia profunda e as pessoas denotam medo de expressar opinião sem explicarem, contudo, a causa de tamanho receio. Entre os vários contactos feitos pelo JN junto de empresários, agentes desportivos e associativos, pedindo uma análise à gestão municipal, obtivemos reacções violentas e houve quem desligasse o telefone, não dando a mínima hipótese a uma curta conversa.


"A senhora vive numa pressão medonha e isso cria muitos problemas a ela e à câmara" afiança uma mulher, explicando que, por exemplo, "pedir a instalação de um contador de água leva para cima de oito dias". "Ela [Fátima Felgueiras] tem de ver tudo e não passa um papel na câmara sem ela ver", assegura.


"Isto está parado. Quer um exemplo? ... A estrada que liga a estrada de Fafe à Igreja de S. Tomé, em Friande, é a pior do concelho, cheia de buracos. A presidente já lá foi para aí três vezes, mas não há dinheiro", afirma um taxista.


Nestes dois anos, ressalta, sobretudo, a conclusão da Avenida Dr. Machado de Matos, na Lixa, algumas obras de intervenção no parque escolar e a criação de duas empresas municipais a EMAFEL (gestão do Ambiente) e a ACLEM (para a área da exploração de equipamentos culturais).


Falta de financiamento

Como grande projecto do mandato deverá nascer um parque empresarial, um investimento de milhões de euros, mas as negociações com os donos do terreno atrasam o processo. A ampliação do edifício camarário custará um milhão de euros, sendo um projecto do arquitecto Alcino Soutinho, mas a falta de garantias de financiamento está a atrasar a empreitada. "A construção de um novo tribunal saiu do PIDDAC, os decisores políticos fogem de Felgueiras e continuamos assim com a Câmara a gerir a despesa corrente", afiança Eduardo Bragança, presidente da concelhia do PS de Felgueiras.


A moda dos blogues também chegou ao concelho. Inácio Lemos, outrora apoiante de Fátima Felgueiras, autor do blogue "A Rosa", alvo de processos judiciais por escritos críticos sobre adversários políticos, considera que "há delito de opinião no concelho". "São dois anos sem nada de positivo e a única coisa positiva é o facto de o concelho estar menos mediatizado e a senhora estar mais recatada à exposição pública", afirma.


Muito irónico, Eduardo Teixeira, do PSD, vê como positivo "o facto de o estádio de futebol do Felgueiras ser o maior estádio pelado da Europa com capacidade para 15 mil pessoas...porque a relva foi deslocada do campo de futebol e aplicada nalgumas rotundas". "Depois da capacidade de gerir a Câmara a partir do Brasil, a senhora presidente tem a invulgar capacidade de gerir a Câmara durante três tardes e um dia...é fantástico", ironiza, considerando que o actual executivo "é o pior de sempre".











Munícipes recebidas com um chazinho


"A doutora Fátima é a mesma pessoa antes e depois do Brasil. O que mudou nela foi apenas o estilo de comunicar para o exterior. Tornou-se mais reservada, dispensa assessoria de imprensa e não se preocupa em responder os jornalistas", confidenciou, ao JN, um jornalista da imprensa regional, que também pediu anonimato.


De facto, o JN chegou a agendar uma entrevista, mas a autarca mostrou-se indisponível, optando por tirar uns curtos dias de férias. Agastada pela pressão mediática e revoltada com os jornalistas, a autarca optou, neste mandato, por fechar a câmara a qualquer olhar indiscreto e nem os vereadores estão autorizados a fornecer informação sobre matérias municipais, sem o consentimento da presidente. A autarquia deixou de ser uma fonte de notícias e, no dia-a-dia, a autarca rodeia-se de colaboradoras da estrita confiança pessoal.


Mas não se pense que Fátima Felgueiras descora a estratégia de popularidade. Quando alguma munícipe se desloca à câmara para falar com a presidente, Fátima faz questão de oferecer um chá enquanto atende a munícipe. E continua a gozar de muita popularidade, sobretudo junto das mulheres e das pessoas mais idosas, algo que se nota nas excursões ao santuário de Fátima e nas festas sociais que a própria promove. Por esta altura de S. Martinho, milhares de pessoas juntam-se num magusto gigante e na promoção do vinho verde. Nestas ocasiões, Fátima Felgueiras renasce das cinzas, como Fénix .
Jornal de Notícias, de hoje