sexta-feira, dezembro 08, 2006

A alegoria do mercado

Nota do autor:
Este texto estava destinado para sair na edição impressa
do dia 7 de Dezembro no Expresso de Felgueiras.
Infelizmente, foi censurado.

A alegoria da metáfora


Nos últimos dias Felgueiras tem merecido atenção e destaque na comunicação social. Se antes foram noticias que relatavam factos ligados ao famigerado processo/inquérito “saco azul”, depois foi a alegoria do mercado proporcionada pelo MSP.


Dessa alegoria, para além da tentativa de demonstrar a inocência, o facto mais marcante foi o anúncio da criação e legalização do MSP numa estrutura associativa de cidadãos em defesa da intervenção cívica e política em Felgueiras. É aqui que começa a confusão e a alegoria. Criar uma estrutura associativa com o objectivo de albergar militantes dissidentes das estruturas partidárias é expor um pensamento e acção sob forma figurada é uma ficção que representa uma coisa para dar a ideia de outra, é uma série de metáforas que significam uma coisa nas palavras e outra no sentido.


Um movimento de cidadãos tem como intenção o desejo de intervenção cívica, mas sem apetência pelo poder político. As estruturas políticas têm como princípios orientadores políticas de direita ou de esquerda. A esquerda põe a dignidade do ser humano no centro de tudo. Para a direita o que está no centro é uma ideia de meritocracia. A direita valoriza o empreendorismo e a capacidade de procurar a excelência. Este movimento, MSP, valoriza o egoísmo, o centralismo e o egocentrismo, pois resultou da necessidade de criação de condições “legais” para contornar os impedimentos judiciais que pendiam na altura. Há um egocentrismo perigoso em democracia.

Ao transformar o MSP numa associação de cidadãos em defesa da intervenção cívica e política está a esboroar-se a oportunidade de em conjunto com os partidos políticos criar uma plataforma de entendimento e de parcerias onde o único beneficiado seria o concelho de Felgueiras. O que se pretende fazer é promover o abespinhamento, a intriga, a afronta aos partidos políticos, louvável seria proceder-se a uma catarse da política em Felgueiras pois só assim se pode com nobreza e dignidade perscrutar Felgueiras.


Fátima Felgueiras é uma mulher com preparação, inteligente, dinâmica, trabalhadora e séria, mas não me revejo na sua mundividência. Ali há traços muito atávicos de um velho pensamento, de uma forma de política anquilosada. Por outro lado, considero que a estética arrasta uma ética. A forma já é conteúdo e em Fátima Felgueiras encontro demasiada crispação. Mas, quando olho para os seguidores deste movimento é muito difícil encontrar características e qualificações semelhantes às de Fátima Felgueiras em grande parte daquelas pessoas. Que o protagonismo, a mediatização, e o acesso ao poder se faça quase exclusivamente por colagem a Fátima Felgueiras é algo extremamente claustrofóbico.


A geração que está no poder, é uma geração mais pragmática e menos ideológica. Isto torna a política menos empolgante e mobilizadora. Perdeu-se uma dimensão passional. Este poder produz hordas de desencanto.


É inacreditável pensar como se consegue edificar um projecto desta dimensão por cima de escombros fumegantes e carregado de ódios viscerais.

Análise do Diário de Felgueiras:

O editor do Diário de Felgueiras, José Carlos Pereira, é amigo pessoal do director e do subdirector do jornal Expresso de Felgueiras, Armindo Mendes e Miguel Carvalho, respectivamente, bem como é amigo pessoal de Inácio Lemos, autor do artigo de opinião que ora publicamos, que, segundo o seu signatário, terá sido censurado pela direcção do referido quinzenário.


Como tal, torna-se-nos muito doloroso tomar partido por uma das partes, pelo que, simplesmente, faremos o nosso comentário dentro dos parâmetros da mais elementar cordialidade, de forma a não colocarmos em risco a nossa amizade com quem, eventual e injustamente, se possa sentir ofendido pela franqueza da nossa opinião. Acima de tudo, compete-nos privilegiar a cultura democrática, que tanto tem andado arredada do nosso concelho, para infelicidade dos nossos vindouros.


Sinceramente, se é que o pretexto para a exclusão do artigo de opinião “A alegoria do mercado” se deveu à linguagem “agressiva” de Inácio Lemos, previnam-se os autores do pensamento e das artes, pois estamos em crer que todos os povos do mundo terão que banir da história da imprensa muitos dos seus textos de opinião e até de reportagem, a começar por Baptista Bastos – artilheiro das escritas –, o que seria, certamente, o espúrio acto de toda a civilização democrática, só possível, actualmente, na China, em Cuba, Coreia do Norte e afins.


Sem pretendermos meter “a foice em seara alheia”, podemos admitir que o máximo que o jornal poderia fazer era solicitar a substituição dos alegados termos agressivos, o que, mesmo assim afigurar-se-ia complicado no plano da ética democrática e da liberdade de expressão. Em todo o caso, na nossa humilde opinião, não há ofensas no texto, porque as alusões menos favoráveis, em termos de apreciação, visam um sujeito comum, que é o movimento Sempre Presente, uma entidade figurada. Quanto ao sujeito pessoal (o único do texto), ele é Fátima Felgueiras, a quem Inácio Lemos se refere nestes termos: “é uma mulher com preparação, inteligente, dinâmica, trabalhadora e séria, mas não me revejo na sua mundividência”.


Com efeito, pugnando pela nossa independência e imparcialidade neste incidente, e reiterando a amizade que nos une às partes envolvidas, consideramos que o Expresso de Felgueiras terá cometido um erro de apreciação, por excesso de zelo. Não ousamos suspeitar outra coisa… ~


O Diário Felgueiras não possui o monopólio da cultura democrática, mas não podia deixar de fazer este apontamento. Aliás, desde a primeira hora, a causa da nossa existência prende-se, essencialmente, com a defesa intransigente da liberdade de expressão, referida no nosso estatuto editorial.