segunda-feira, outubro 02, 2006

Grande entrevista a Carlos Zeferino

Foto "Expresso de Felgueiras"


Carlos Zeferino


"Mantenho a opinião de que mulheres

como Fátima Felgueiras só aparecem uma

de cem em cem anos. E se aparecerem!...

No entanto, tal opinião não me impediu

que estivesse com outra candidatura

lealmente"


O DIÁRIO DE FELGUEIRAS achou por bem entrevistar Carlos Zeferino, autarca de Lagares e militante histórico do PS, em torno da polémica que envolveu o seu pedido para se afastar do Grupo Parlamentar socialista na Assembleia Municipal (passando, assim, à qualidade de independente) e da consequente suspensão dos seus direitos de militância partidária, a pedido da Concelhia junto do Conselho Distrital de Jurisdição, que, neste momento, está a estudar um processo disciplinar visando a expulsão deste militante do PS, que o acusa de estar comprometido com o movimento "Sempre Presente".



DIÁRIO DE FELGUEIRAS (DF) - Qual o comentário que o senhor Carlos Zeferino faz em relação ao pedido da Concelhia do PS ao Conselho de Jurisdição Distrital para que fique de imediato suspenso dos seus direitos de militância e para que seja aberto um processo disciplinar visando a sua expulsão do partido?
CARLOS ZEFERINO (CZ) - Acho que é uma atitude nitidamente precipitada, de quem chegou ao poder, no partido, há pouco tempo e tem falta de experiência e responsabilidade política. É uma atitude de quem, desde a tomada de posse, e já lá vão largos meses, ainda não deu sinal de vida, e, de repente, sente necessidade de mostrar serviço, mas mostra-o de uma forma negativa, pois penso que não fiz nada de grave - antes pelo contrário! - que justifique tal pedido.





DF - Como se sabe, a atitude da Comissão Política surge em sequência da sua auto-exclusão da bancada parlamentar do PS. Dado que a maioria dos nossos leitores não tiveram acesso à declaração que fez, na AM, a propósito dessa saída, pode dizer-nos, em traços gerais, qual foi o teor dessa declaração?
CZ - Tentei na Assembleia Municipal ser o mais discreto possível. Fiz uma intervenção muito curta, onde procurei justificar a minha posição sem ofender quem quer que seja, embora tivesse muito que desabafar. Estava longe de imaginar tanta polémica. Como se tratou de uma pequena intervenção, ela aqui fica na íntegra:
“Pedi a palavra para informar esta assembleia que a partir deste momento me demito da bancada do Partido Socialista. Fui eleito para esta assembleia municipal, unicamente com os votos dos Lagarenses, muitos dos quais, tenho a certeza, não são sequer socialistas. Por isso, penso que nesta assembleia, mais do que defender os interesses do meu partido, tenho a obrigação de defender os interesses da freguesia que aqui represento.
Compreendo e aceito o papel das oposições, mas eu quero ficar livre das opções partidárias para em todos os momentos poder votar em consciência aquilo que me parecer o melhor para a minha terra.”


DF - Não obstante ter abandonado o grupo parlamentar socialista, o senhor não faz ou não fazia intenção de abandonar o partido enquanto militante. Não poderá haver aqui uma dualidade de critérios?
CZ - Penso que não. A minha atitude não foi tomada contra o partido. A atitude que tomei visava precisamente salvaguardar o partido das minhas posições na Assembleia Municipal.

DF - O motivo de toda esta polémica prende-se ao facto de o senhor, na Assembleia Municipal, em todas as propostas do Executivo que chocam com a posição do PS, votar sempre ao lado das propostas da maioria política na Câmara. É certo que o senhor poderá alegar, e com razão, que os eleitos locais – principalmente, os presidentes de junta –, não são “correias de transmissão” das Concelhias, ou seja, têm o direito de reservarem para si a liberdade de voto. Mas, no caso do senhor, não acha que ao votar sistematicamente todas as propostas do Executivo pode colocar em causa a autonomia política do PS em relação ao “Sempre Presente”?
CZ - Olhe, uma das grandes falhas da nova Comissão Política foi, desde logo, não ter, e até hoje não o fez, reunido de imediato com os presidentes de junta e não ter, posteriormente, reunido com todo o Grupo Parlamentar para acertar a estratégia a seguir nas assembleias municipais. Penso que os presidentes de junta estão numa situação que deve ser considerada especial em relação à maioria que governa a Câmara Municipal, seja ela qual for. Penso também que as concelhias, sejam de que partidos forem, deviam dar liberdade de voto aos seus presidentes de junta nas assembleias municipais, e o resto do Grupo Parlamentar faria Oposição que muito bem entendesse à maioria camarária. Os partidos ficariam, assim, protegidos politicamente das posições dos seus presidentes de junta. Digam o que disserem, um presidente de junta não é um membro como os outros na Assembleia Municipal. Por alguma razão os presidentes de junta não são eleitos directamente para a Assembleia Municipal. Sendo assim, contínuo na minha: “o Presidente de Junta na Assembleia Municipal representa a sua freguesia, não o seu partido.”

DF - O senhor Zeferino poderá dizer, e muito bem, que lhe interessa mais, do seu ponto de vista, colocar os interesses da freguesia acima dos do PS. Porém, não será compreensível a atitude da Concelhia do PS, que gostaria de ver uma faixa de separação política entre o senhor Carlos Zeferino e o Executivo municipal? Aliás, a Concelhia diz que a posição do senhor resulta de uma estratégia montada pelo “Sempre Presente” para prejudicar o partido e arrastar os presidentes de junta socialistas a demarcarem-se das posições oficiais do PS/Felgueiras.
CZ - Quando o poder é fraco, é complexado. Infelizmente, a Concelhia do PS local tem muitos complexos em relação ao movimento “Sempre Presente”. O fantasma do movimento persegue-os de noite e de dia, tolhendo-lhes a mente e a imaginação, levando-os a fazer afirmações sem nexo e sem sentido. A mim ninguém me pressiona. Graças a Deus, tenho uma personalidade suficientemente forte para que não seja possível ceder a qualquer tipo de pressão. De mais a mais, nunca ninguém do movimento “Sempre Presente” me tentou pressionar. Fosse para o que fosse. Se calhar, eles conhecem-me e sabem que comigo não valeria a pena. De resto, esta posição de me afastar do Grupo Parlamentar socialista tomei-a muito sozinho, tendo até surpreendido as próprias pessoas que me são mais próximas.

"Na política a antecipação é uma

jogada mortífera. Modéstia à parte,

fui muito sagaz na forma

como me antecipei à Concelhia."

DF - No dia seguinte à sua declaração lida na Assembleia Municipal, perguntei-lhe se era pressionado ou chantageado pela Concelhia para seguir obrigatoriamente as determinações do partido. O senhor não me revelou esse alegado comportamento dos dirigentes do partido. Mais tarde, disse-nos que, afinal, até era insultado nas reuniões preparatórias da Assembleia Municipal.
Por que não quis adiantar-se ao comunicado do PS, para denunciar o ambiente que o senhor diz existir nas reuniões partidárias em relação a quem não concorda com a Concelhia? Quer dizer que esperava a reacção do partido em relação à sua saída da bancada parlamentar?
CZ - Como já disse, eu pretendia ser o mais discreto possível, para evitar a polémica. Embora me tivesse de morder todo para não revelar as razões pessoais, para além das políticas que tinham estado na razão desta minha tomada de posição, achava que elas eram graves para o PS local. Eu queria, acima de tudo, proteger o PS dessa situação. A partir do momento em que a concelhia, irresponsavelmente, emite aquele comunicado, já não havia mais razões para me calar.
Quanto a esperar a reacção do partido à minha saída da bancada parlamentar, eu sabia que, mais tarde ou mais cedo, a concelhia iria reagir violentamente contra mim e contra os restantes presidentes de junta que não alinhavam com a estratégia da Concelhia. A ameaça andava no ar!....
Penso que em política a antecipação é uma jogada mortífera. Modéstia à parte, penso que fui muito sagaz na forma como me antecipei à Concelhia. Aliás, o comunicado desta, em relação à minha demissão da bancada parlamentar, é uma reacção desesperada que pretende, acima de tudo, amedrontar os restantes presidentes de junta. No entanto, a partir de agora já nada será como dantes. Os presidentes de junta vão deixar de ser insultados nas reuniões; vão começar a ter uma certa liberdade de voto nas assembleias municipais; vão, enfim, ser respeitados, porque eu dei aquele abanão que alguém teria de dar. Não estou arrependido. Era eu, como Presidente de Junta mais antigo, que tinha obrigação de o fazer.

DF - O senhor Carlos Zeferino e Fernando Sampaio foram os pioneiros para que José Campos fosse o candidato à Câmara pelo PS, numa altura em que poucos acreditavam no regresso da Dr.ª Fátima Felgueiras. Aliás, para além da sua candidatura à Junta de Lagares, o senhor fez parte da lista do PS à Câmara, embora em último lugar. A Concelhia acusa-o de, a partir do dia do regresso da Dr.ª Fátima, ter passado a apoiar duas candidaturas ao mesmo tempo: a de José Campos e a de Fátima Felgueiras. Isso é verdade?
CZ - Admito que eu e o Fernando Sampaio, juntamente com outros, tenhamos travado, na altura, uma luta tremenda na Concelhia do PS para a escolha de José Campos para candidato à Câmara Municipal. Todos sabem que se perfilava uma candidatura que não tinha o mínimo de perfil e de credibilidade juntos dos felgueirenses para poder ser o candidato do PS à autarquia. A estratégia, da qual eu fui um dos responsáveis, acabou por vingar, numa luta que, apesar de tudo, considero democrática, e o PS ganhou em Felgueiras um excelente candidato com todas as condições para ganhar. Eu não tenho a mínima dúvida que se não houvesse o regresso de Dr.ª. Fátima Felgueiras o Prof.º José Campos arrasava a concorrência, apesar de alguns erros que também cometeu, principalmente ao nível das pessoas que escolheu para o acompanhar. Na altura eu tive a ombridade, de olhos nos olhos, lho ter afirmado.
Não sabia que a Concelhia me acusa de, a partir do dia do regresso da Dr.ª Fátima, eu ter apoiado as duas candidaturas ao mesmo tempo. Se essa acusação é verdadeira, só tenho a dizer que isso é completamente falso. Sobre este ponto tenho a consciência absolutamente tranquila. Fui leal com o professor até ao fim. Durante a campanha estive presente em todas as iniciativas da candidatura do Prof.º José Campos e não estive em nenhuma das iniciativas da campanha da Dr.ª. Fátima Felgueiras. Quem me conhece sabe que comigo isso não era possível. Para mim, a dignidade ainda é uma virtude que não tem preço. Agora digo-lhe: não tenho complexos nenhuns em afirmar que era e continuo a ser um grande admirador da Dr.ª Fátima Felgueiras enquanto Presidente de Câmara. Afinal, fui eu que disse, há anos, numa entrevista a um jornal local que mulheres como Fátima Felgueiras aparecem uma de cem em cem anos. E se aparecer!...
Mantenho essa opinião, mas isso não impediu que eu em determinado momento da minha vida autárquica - em circunstâncias imprevistas - estivesse, em nome da dignidade que as pessoas simples como eu normalmente possuem, com outra candidatura lealmente. Repito, lealmente até ao fim. Mas já agora: o que fizeram alguns dos actuais dirigentes da Concelhia na última campanha autárquica? Eu não sei quantas candidaturas apoiaram. Até acredito que só tenham apoiado uma, mas a do PS - a do Prof.º José Campos - não apoiaram, de certeza. Nessa campanha fizeram “gato-sapato” do partido. Agora vêm com uma grande lata, com cara de anjinhos inocentes, como se nada se tivesse passado e não fosse nada com eles; atiram acusações infundadas sobre aqueles que puseram sempre o partido acima de tudo.

DF - Se hoje se realizassem eleições, votaria em José Campos ou na actual presidente da Câmara?
CZ - Por acaso hoje não há eleições! Se houvesse, votaria de certeza pela minha terra.

"Se pudesse voltar atrás, diria:

"Política?!... Nunca mais!"

DF - Gostaria de voltar a ver a Dr.ª Fátima como militante do PS?
CZ - Como socialista que sou e vou continuar a ser aconteça o que acontecer, sem dúvida que gostava de ver, novamente, a Dr.ª Fátima Felgueiras como militante do PS. Mas não só: também Júlio Faria, Orlando de Sousa e tantos outros que deram ao PS local uma imagem de qualidade, de prestígio, de competência e credibilidade que fizeram o PS invencível ao longo de tantos anos.

DF - Que avaliação final faz desta Concelhia, recentemente eleita?
CZ - Creio que nas respostas dadas acima é perceptível a avaliação que faço desta concelhia. Penso, sobretudo, que quando se realizou o acto eleitoral, e face às duas candidaturas perfiladas, aos militantes socialistas surgiu este dilema: em quem votar? Venha o diabo e escolha… E o Diabo escolheu!

DF - E avaliação que faz deste Executivo, principalmente a presidente da Câmara?
CZ - Normalmente, o primeiro ano de mandato nunca é fácil e é aproveitado pelos autarcas, tanto das freguesias como das câmaras municipais, para reposição das finanças, ou seja, para níveis que permita atacar com êxito as promessas feitas durante a campanha eleitoral autárquica. Penso que é isso que está a acontecer com o Executivo da Câmara de Felgueiras. Da Sr.ª Presidente espera-se sempre tudo: ela não deixará os seus créditos por mãos alheias. Aceito que esteja a ser um ano difícil, mas acho que o Executivo municipal está no bom caminho. Tenho a certeza que depois da casa arrumada o próximo ano será muito diferente… para melhor.

DF - O partido acusa-o também de ter usado, durante a campanha eleitoral, os meios financeiros e logísticos do PS para a promoção da sua imagem política e social. Qual a sua reacção?
CZ - O comunicado do Secretariado da Concelhia é todo ele muito infeliz, mais parecendo ter sido elaborado por algum aprendiz da política. Essa acusação, confesso que não entendi. Eu nunca precisei de promover a minha imagem. A minha imagem é que promoveu o partido aqui em Lagares, porque, felizmente, tenho uma coisa que num político é indispensável e que nenhum dirigente actual do PS local tem, e que para seu desespero não se pode comprar: tem-se ou não se tem. Chama-se carisma. De qualquer forma, estou disponível para, no deve e haver, ou seja, no "quem-deve-o-quê- a-quem", acertar as contas quando a Concelhia quiser.

DF - Sei que o senhor é um católico devoto. Recentemente, D. José Policarpo apelou à participação dos cristãos na vida política. Como cristão que é, acha que em Felgueiras há condições favoráveis para isso, principalmente para Oposição, que se queixa de autoritarismo e arrogância por parte do poder?
CZ - Eu não acho que haja autoritarismo e arrogância por parte do poder, mas, mesmo que houvessem, penso que as condições seriam sempre favoráveis à participação dos cristãos na política, desde que o façam de boa fé. O autoritarismo e arrogância combatem-se com persistência e credibilidade, com novas ideias e novas propostas. Infelizmente, neste momento, não tenho condições para seguir o exemplo de D. José Policarpo, que apela à participação dos cristãos na política. Veja o que me aconteceu! Servi o meu partido com muita humildade, mas, ao mesmo tempo, também com muita dedicação. Dei-lhe sem nunca pedir nada em troca: trinta anos da minha vida! Dei-lhe nove estrondosas vitórias em nove mandatos consecutivos, ganhos em eleições autárquicas. Sacrifiquei o convívio familiar; sacrifiquei, em muitos casos, a minha actividade profissional, com prejuízos financeiros avultados, para agora, quando me preparava para sair pela porta grande (modéstia à parte, acho que era isso que eu merecia), os actuais dirigentes locais do partido, cujo currículo político é zero, dizem que eu não era mais do que um oportunista, que andava por ali só por interesse e com o único intuito de me promover à custa do partido. Eles sim, num passado recente, lesaram com a sua conduta leviana gravemente a imagem do partido. Agora, como se não tivesse sido nada com eles, arvoram-se em arautos da disciplina partidária, ao ponto de exigirem até a minha expulsão do partido. Isto é deveras constrangedor! Eu amei todos os momentos que dediquei ao PS e a Lagares, mas agora se pudesse voltar atrás diria: "Política?!... Nunca mais!"