a Fátima são promovidas por motivos políticos
Política e Religião
Viagens a Fátima chegam ao Governo
- Movimento "República e Laicidade" envia ofício a vários entidades
- Considera que há violação do princípio da laicidade do Estado
José Carlos Pereira
O movimento “República e Laicidade” questiona várias entidades do Estado sobre a legalidade de dezenas de câmara municipais organizarem, a expensas suas, passeios de idosos a Fátima, alegando haver nisso violação do princípio da laicidade do Estado e o da igualdade religiosa.
Luís Mateus, presidente do movimento, dirigiu-se, ontem, em ofício-tipo, ao ministro da Administração Interna e ao das Finanças, à Inspecção-Geral que tutela as autarquias, ao Tribunal de Contas, à Associação Nacional de Municípios à Comissão da Liberdade Religiosa.
“Herdeiras da aliança do Trono com o Altar e do Estado Novo, perduram práticas de caciquismo local, assentes em escandalosa promiscuidade entre política e religião, que, além do mais, implicam vultosas despesas", lê-se no documento a que o JN teve acesso.
Luís Mateus alerta: “esta vertente populista tende a multiplicar-se” e aponta o exemplo do município de Felgueiras, que fretou 80 autocarros para levar 3500 idosos a Fátima”. Pedindo “alguma pedagogia”, Mateus deixa o assunto ao critério às entidades do Estado, “para efeitos legais e políticos tidos por oportunos e ajustados”. Ao JN, disse que “A Igreja é parceira nestas iniciativas a descoberto da lei".
O JN ouviu um conjunto de figuras da Igreja e da política sobre o assunto. D. Manuel Martins, antigo bispo de Setúbal, refere: “Seja a Fátima ou a outro lado, não simpatizo nada com esses passeios. Não é uma política correcta para a terceira idade. Acho até que isso é a “coitadização” dos velhos”. E vai mais longe: “Admito que estes eventos são promovidos por motivos políticos. Os políticos não dão nada que não seja qualquer coisa em troca”. Porém, considera: “a questão não é religiosa ou em que a Igreja esteja envolvida. Se perguntarem aos idosos onde querem que os levem, dizem que é a Fátima”.
D. Carlos Azevedo, porta-voz da Conferência Episcopal, lamenta que “a espionagem laicista ande à cata para tornar os assuntos polémicos. O factor social também é ciência. Se os passeios proporcionam bem-estar, as câmaras podem fazê-los, porque decorrem das suas competências”.
Francisco Louçã, líder do BE, diz: “Sem me referir a casos concretos, considero que são censuráveis estes comportamentos manipuladores de sentimentos religiosos, num Estado laico, para bem de todos, inclusive para evitar a desvalorização religiosa. Seria importante que sobre este aspecto fosse promovido o debate na sociedade".
Enquanto Renato Sampaio, líder da Distrital do PS/Porto, considera que “não há mal algum”, Honório Novo, do PCP, refere que, “mesmo tratando-se de populismo, a questão é apenas ética”.
Agostinho Branquinho, líder do PSD/Porto, mostra-se inconformado: “Concordo que há um vazio legal, mas, como católico e como dirigente partidário, e sabendo que vou contra a corrente, condeno esta prática. “Dai a César o que é de César, dai Deus o que é de Deus”. O dirigente laranja prossegue: “Sei que há dezenas de câmaras, do PS e do PSD, que recorrem a este expediente, mas condeno essa atitude eleitoralista”.
Excursões pagas pelas câmaras
A posição do “República e Laicidade” foi despoletada pelo panfleto da Câmara de Felgueiras, distribuído aos idosos pela edil no passeio deste ano a Fátima, com a fotografia da autarca ao lado da Virgem e dos pastorinhos. O Santuário diz não ter uma estimativa anual exacta destes passeios, “porque não fazemos a distinção”. Porém, o JN apurou que este ano já lá terão ido mais de 20 concelhos. No mapa das marcações para este mês, consta dez passeios concelhios, entre os quais da Maia, Felgueiras, Valongo e Famalicão. Uma empresa de camionagem disse, ao JN, que em anos de eleições o volume destas excursões aumenta e que as mesmas são pagas pelas autarquias.