quinta-feira, setembro 28, 2006

País que ainda discute a liberdade de expresão não merece entrar na UE

Absolvição de romancista alivia
adeptos da adesão à UE



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A absolvição da romancista turca Elif Shafak, que incorria na pena de três anos de prisão por ter, alegadamente, denegrido a identidade nacional do seu país, não significa o advento da liberdade de expressão, mas poderá constituir um marco de viragem. Porque o processo se desenrolou sob o olhar atento da União Europeia, que exige melhorias neste capítulo para que o processo de adesão da Turquia possa avançar. A lei que prevê a punição de ofensas à essência turca mantém-se em vigor, mas o primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, já admitiu que poderá ser revista.

Elif Shafak, de 35 anos, era acusada devido a um diálogo de personagens do seu romance "O bastardo de Istambul" em que era comentada a matança de cidadãos da Arménia nos momentos finais do Império Otomano, em 1915. A queixa, apresentada por nacionalistas, retratava o livro como propaganda arménia, revelando ódio pelos turcos. A Arménia afirma ter então sido vítima de genocídio, algo que a Turquia rejeita. No romance, uma das personagens fala em "carniceiros turcos" e em "genocídio", enquanto outra diz que os arménios foram "massacrados como carneiros".

Esta foi a primeira vez que o artigo 301.º do Código Penal turco foi invocado a propósito de uma obra de ficção, se bem que haja uma longa lista de escritores alvos de acusações similares. "Se o artigo 301.º for interpretado desta maneira, ninguém poderá voltar a escrever romances na Turquia, nunca mais alguém poderá fazer filmes", desabafou a escritura antes de ser conhecida a sentença, a cuja leitura não compareceu.

Os juízes justificaram a decisão dizendo não ter ficado provado que Elif Shafak "tenha denegrido a identidade nacional turca". A sessão terminou de forma algo caótica, com os advogados nacionalistas a acusarem os magistrados de terem sido ilegitimamente influenciados pela União Europeia.

Tendo as negociações com a UE sido retomadas há quase um ano, um veredicto contra a escritora seria um novo recuo no processo de adesão da Turquia. Dizendo-se "aliviado" com a decisão, o primeiro-ministro disse que "o partido do Governo e a oposição devem sentar-se para discutir esta questão, pois as leis não são eternas".