segunda-feira, setembro 11, 2006

O outro 11 de Setembro

Hoje vai falar-se muito do 11 de Setembro 2001 - o do golpe (sim, golpe, não se espantem) perpretado, há cinco anos, nas torres gémeas de Nova Iorque, cujas circunstâncias e responsabilidades dos EUA ainda estão por revelar.

No meio de tanta euforia analítica (na maioria dos casos, promovida pela vaidade do "saber dizer duas tretas"), poucos se lembrarão que no dia de hoje há outra efeméride, que, também, devia ser recordada, até porque tem em comum com o outro aniversário estarem envolvidos os EUA. Trata-se do 11 de Setembro de 1973 - o do golpe de Estado concretizado pelo tenebroso general Augusto Pinochet mas promovido pelos EUA (ao tempo de Ricard Nixon, então presidente dos "States", e de Henri Kissinger) e pela multinacional ITT.

Slavadore Allende, o médico e político, que, nas eleições de 1970, fora eleito democraticamente para a presidência do Chile pela Frente de Acção Popular (de cariz marxista, que reunia socialistas e comunistas), foi assassinado no Palácio de Moneda, num teatro de operações militares extremamente sangrento.

Durante década e meia, muitos chilenos foram presos, torturados e mortos, naquele regime de ditadura férrea, patrocinada pelos norte-americanos. Augusto Pinochet conseguiu conjugar os princípios do seu mais áspero absolutismo fascista com os do Capitalismo Liberal - da escola de "Chicago Boys", que teve como um dos principais ideólogos Milton Fridman, autor do livro "Liberdade para Escolher", a quem chegou a ser atribuído o Prémio Nobel da Economia. Prova inequívoca de que as chamadas "democracias ocidentais" nem sempre se deram bem com os princípios saídos da Revolução Francesa - Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Salvadore Allende tinha sido democraticamente eleito. O povo tinha-o escolhido; o golpe de Estado, já de si, foi um crime contra a Humanidade. Depois, os torturados e os mortos. A maioria deles apareceram, mais tarde, em valas comuns; outros tinham sido atirados ao mar a partir de helicópetros ou de aviões; e por aí adiante. As Mães e as Avós da Praça de Maio ainda choram os seus familiares.

Victor Jara - cantor de causas, compositor, professor e director de teatro - foi uma das primeiras vítimas do regime de Pinochet: no dia 11 de Setembro, logo pela manhã, quando soube do golpe, deslocou-se imediatamente à Universidade Técnica, onde trabalhava, para se juntar aos alunos e professores, no intuito de resistir à implantação da ditadura. Porém, os golpistas cercaram a universidade, e os tiros e bombas eram constantes. Os que tentaram fugir foram ali executados. Victor Jara ainda apelou à resistência, através das suas canções de fervor revolucionário, mas, na manhã do dia seguinte, a universidade acabou por ser tomada de assalto pelo tanques golpistas, obrigando os resistentes a renderem-se. Estes começaram a ser logo espancados, ali, na universidade, deitados no chão e com as mãos na cabeça, e, de seguida, foram levados para o Estádio do Chile, transformado em campo de concentração.

Tal como relata muito perfeitamente José Gomes, no seu blogue, Chuviscos, no seu post de 11 de Setembro de 2005, Victor Jara, no meio de tantos presos no estádio, foi logo reconhecido por um oficial, que lhe disse: "- Você é aquele maldito cantor, não é?" Victor não teve tempo de responder; foi logo barbaramente agredido e conduzido para um local do Estádio onde estavam os militantes mais “perigosos”. Foi novamente espancado e torturado. Quando o levaram para as arquibancadas o seu rosto estava todo ensanguentado e mal podia andar ou falar. Muitos dos prisioneiros tinham surtos de loucura, tentavam escapar e eram executados. Outros, simplesmente, suicidavam-se. No dia 14 de Setembro, os prisioneiros começaram a ser transferidos. Victor, pressentindo que aqueles seriam os seus últimos momentos, pediu papel e caneta e naquele inferno escreveu o seu derradeiro poema:

Somos cinco mil

nesta parte da cidade.

Somos cinco mil.

Quantos seremos no total

nas cidades e em todo o país?

Somente aqui, dez mil mãos que semeiam

e fazem andar as fábricas.

Quanta humanidade

com fome, frio, pânico, dor,

pressão moral, terror e loucura!...

Que espanto causa o rosto do fascismo!...

É este o mundo que criaste, meu Deus?

Foi para isto os teus sete dias de assombro e de trabalho?

Mal acabou de escrever vieram buscá-lo. Os seus companheiros conseguiram ainda salvar este derradeiro poema de Victor Jara. Foi novamente espancado e um oficial gritou-lhe várias vezes: "- Canta agora, se puderes, seu filho da puta!". Victor Jara, quase já sem vida, reuniu as suas últimas forças e cantou a estrofe do hino da Unidade Popular: "Venceremos!". Foi brutalmente agredido, quebraram-lhe as mãos e arrastaram-no para os portões do Estádio. Esta foi a última vez que o viram. Dois dias depois, seis corpos desfigurados e baleados foram encontrados na periferia da cidade. Um deles, perfurado por 44 balas e múltiplas fracturas dos punhos. Era o do professor, compositor, cantor e director de teatro , Victor Jara.

De seguida, veja os quatros vídeos alusivos ao tema. Para que tal não se repita!



Vídeo 2 - Comício da Frente Popular (socialistas e comunistas)



Vídeo 3 - Golpe de Estado (pronunciamento militar)



Vídeo 4 - Victor Jara