quarta-feira, agosto 02, 2006

Nunca é demais exaltar o teu nome


Se fosse vivo, José Afonso – Zeca, para os amigos –, hoje completaria 77 anos de idade.

Nascido a 2 de Agosto de 1929, em Aveiro, faleceu há cerca de 20 anos – a 23 de Fevereiro de 1987 –, em Setúbal, concelho que o “adoptou” e onde residiu durante muitos anos, em Azeitão.

Homem generoso e solidário, deu a vida pelos outros, desprendido das coisas supérfluas do mundo – qual atitude mais cristã de estar em comunidade! Filho de um juiz, morreu pobre, porque quis ser igual àqueles por quem reclamou um mundo mais justo, mais fraterno, mais humano. Nunca pediu nada ao Poder. Bem pelo contrário, recusou benesses e não caiu em tentação, ao contrário de alguns maus exemplos da nossa democracia, como Manuel Alegre, a quem a Caixa Geral de Aposentações acaba de atribuir uma verdadeira "taluda da sorte" - nem mais nem menos que 3 mil e tal euros mensais... por três meses de trabalho na RDP!

Zeca nunca teve, nem quis, nada que não fosse dele, mas deu muito de si aos outros, o que acabou por lhe fazer falta. Mesmo assim, antes de morrer, não renegou o seu passado, dizendo não estar arrependido de nada.

Nunca será demais exaltar a vida e a obra de José Afonso - não como endeusamento ou mito da da sua personalidade -, mas porque a sua presença física ainda nos faz muito falta, acomodado que anda o País com tantos negócios doidos.

Numa altura em que José Sócrates e Cavaco Silva já terão combinado quem virá a suceder a Souto Moura na Procuradoria-Geral da República, de maneira a que corregilionários dos partidos do bloco central não venham a ter que explicar certos procedimentos no exercício das suas funções públicas, a figura de Zeca Afonso continua a ser "um farol, neste mar encapelado, por onde se passeiam vampiros e eunucos e onde os sonhos parecem todos desfeitos", tal como referiu um jornalista, na introdução a uma entrevista que fez ao Poeta, dois anos antes da sua morte.

Abaixo transcrevemos um magnífico poema, de António Ramos Rosa, dedicado a Zeca Afonso.

Para José Afonso

O canto que se erguia
na tua voz de vento
era de sangue e oiro
e um astro insubmisso
que era menino e homem
fulgurava nas águas
entre fogos silvestres.
Cantavas para todos
os acordes da terra,
os obscuros gritos
e os delírios e as fúrias
de uma revolta justa
contra eternos vampiros.
Que imensa a aventura
da luz por entre as sombras!
A vida convertia-se
num rio incandescente
e num prodígio branco
o canto sobre os barcos!
E o desejo tão fundo
centrava-se num ponto
em que atingia o uno
e a claridade intacta.
O canto era carícia
para uma ferida extrema
que era de todos nós
na angústia insustentável.
Mas ressurgia dela
a mais fina energia
ressuscitando o ser
em plenitude de água
e de um fogo amoroso.
É já manhã cantor
e o teu canto não cessa
onde não há a morte
e o coração começa.

António Ramos Rosa