Reconheço o esforço de José Carlos Pereira de ter tentado compreender a acção política do Prof. Dr. Marcelo Caetano, pessoa que guardo da minha infância no meu coração como um grande humanista e brilhante académico, mas, desculpem-me a franqueza, o editor deste blogue embarcou na euforia de tomar como certas todas as palavras de Vasco Pulido Valente, no jornal “O Público”, e menosprezou o sentido da entrevista feita por Judite de Sousa a Ana Maria Caetano, filha do estadista, na RTP, e o do documentário alusivo.
Para mim, o Prof. Dr. Marcelo Caetano não foi um ditador. Como disse a sua filha, não podia fazer tudo de uma vez e fez o que os "ultras" não queriam que fosse feito. Se os militares lhe tivessem dado mais algum tempo - pelo menos dois anos -, teria sido ele quem ia fazer a transição (pacífica) para um novo regime, de cariz ocidental.
Lamento que, mais uma vez, uma corrente de pessoas ainda marcadas pela deriva ideológica do PREC, tenham produzido afirmações sobre Marcelo Caetano, afirmações essas que a História há-de desmentir, como, por exemplo, a insinuada tentativa de massacre dos populares que, espontaneamente ou não, se juntaram no Largo do Carmo. Não me refiro concretamente ao artigo de José Carlos Pereira, mas aos escritos de pessoas como Vasco Pulido Valente e de dois autores aqui publicados.
Não se pense que sou contra a democracia. Aliás, o Prof. Dr. Marcelo Caetano desejava-a, e muito, para progresso e de desenvolvimento de Portugal, mas não simpatizo nada com o tipo de 25 de Abril que fizeram, que desembocou em nacionalizações arbitrárias e nos caprichos da extrema-esquerda, nos Otelos, nos Melos Antunes, nos Mários Tomés, nos Vascos Lourenços e etc..., bem piores que o PCP, de Álvaro Cunhal, que, pelo menos, foi mais íntegro e coerente até ao fim da vida.
José Carlos Pereira reconhece que o País melhorou muito com o Governo de Marcelo Caetano, no aspecto económico, mas embarcou na "veia libertadora" dos Vascos Pulidos Valentes, muitos deles de Direita mas ainda com os complexos culturais da Esquerda. Lembrem-se que, no campo do progesso social, o Prof. Dr. Marcelo Caetano era mais evoluído do que todos os Governos pós-25 de Abril o foram. Por exemplo, foi quem criou a ADSE, uma "conquista social" - utilizando a linguagem esquerdista - agora destruída pelo Governo socialista do Eng.º José Sócrates.
Desculpem a minha frontalidade. Aliás, é coisa que o editor deste blogue costuma pedir aos seus leitores.
Com os melhores cumprimentos.
Maria Emília Silva - Margaride
Nota do edeitor:
Fico feliz pelo facto de a estimada leitora partilhar, neste espaço, o propósito de tentar compreender a acção de Marcello Caetano na História de Portugal, mas não posso concordar de todo com a crítica de que embarquei na euforia de dar como certas todas as palavras de Vasco Pulido Valente, princilpamente no que dói mais à nossa leitora, que é a alusão à tentativa de massacre de milhares de pessoas à porta do Quartel do Carmo, no dia do gople.
A história pode ser pontualmente revista, mas não pode ser sonegada: Marcello, aparentemente, não demonstrava ter a ambição do poder pelo poder, mas não deixa de ser um produto do regime e um dos seus principais teóricos, ao ponto de Oliveira Salzar lhe invejar a cultura e de ter receio da sua importância como potencial presidente do Conselho de Ministros. Marcello, queiramos ou não, foi um político de carreira no regime e esperou, esperou e foi esperando pela sua vez. Só que quando a vez chegou já era tarde demais para fazer reformas profundas no âmbito de um regime com características medievais, que tolhia a Indústria, tolhia a Agricultura, a Cultura, etc... Conforme a sua filha reconhceu na referida entrevista, Marcello aceitou as condições impostas por Américo Thomaz, que era manter as estruturas políticas do regime. Portanto, Marcello tornou-se refém, fez-se refém, da Presidência da República e dos grandes grupos económicos da altura; meteu-se numa "camisa de sete mangas" e já não sabia como havia de sair dela. Portugal teria-lhe perdoado se tivesse "traído" a confiança do então Presidente da República. Gorbachov "traiu" a confiança do Comité Central do PCUS e, com isso, proporcionou a abertura à Democracia. Só que a Caetano faltou a coragem, a vontade de, e quando isso acontece morre o querer e o coração sobrepõe-se à razão, conforme, recentemente, no DN, escreveu Veiga Simão, seu ex-ministro da Educação.
De resto, já o dissemos, Caetano, no Governo, proporcionou avanços no aspecto económico e social, desde a criação da ADSE até às pensões sociais a vários níveis, como as destinadas para os agricultores. Só que nenhuma economia se desenvolve sem Democracia, seja em Portugal, em Cuba, na China ou na Coreia do Norte. O momento histórico em que Marcello governou exigia que se fosse mais longe...
Quanto ao trabalho da RTP, acho-o mau: a entrevista feita por Judite de Sousa enquadra-se mais nos critérios editoriais da revista "Lux" ou da "Caras". A RTP, na "Grande Entrevista" ou no documentário, poderia ter levantado aspectos da vida de Marcello menos conhecidos, como, por exemplo:
1. A tal ordem para que a GNR massacrasse os milhares de manifestantes no Largo do Carmo, no dia do gople (tese contestada pela nossa leitora);
2. A perda da fé católica e em Deus, no exílio, bem como a crítica mordaz aos padres e à Igreja (quando João Paulo II se deslocou ao Brasil fez afirmações em tom de blasfémia);
3. Também durante o exílio, a sua propensão para dizer mal de todos os políticos portugueses (Soares, Sá Carneiro, Cunhal, Balsemão, etc..., excepto de Freitas do Amaral); as zangas que foi acumulando, mesmo com figuras que lhe tinham sido politicamente afectas, como, por exemplo, com Adriano Moreira.
4. Se fosse eu a entrevistar a senhora, teria-lhe perguntado, por exemplo, se algum dos filhos de Marcello fez tropa na Guerra Colonial.
Judite de Sousa preocupou-se mais com assuntos da vida particular de Caetano do que com estes aspectos, que, no centenário do nascimento, poderiam acrescentar dados novos ao estudo.
De resto, não obstante ter mencionado a tal "mancha da persnolidade moral" do último Presidente do Conselho de Ministros do Estado Novo, que foi a já referida tentativa de massacre, não duvido que, pessoalmente, Marcello tivesse qualidades humanas. José Pacheco Pereira, nos seus "Estudos Sobre o Comunismo", refere que, em Setembro de 1969, um rapaz, de 15 anos, filho de uma militante comunista [Fernanda Paiva Tomás] - presa há oito anos e já em período de observação sobre a possibilidade de vir a ser libertada, logo que não constituísse "perigosidade" -, escreveu ao Presidente do Conselho, Marcello Caetano, a pedir que mandasse libertar a mãe. Caetano respondeu-lhe, por escrito: "Já há meses lhe perguntaram [à prisioneira política] se queria sair nessas condições [o de renegar o combate ao regime], que são as da sentença, e ela respondeu que não. Vão fazer-lhe outra vez a pergunta“. Fernanda Paiva Tomás tinha sido confrontada pelas autoridades do regime sobre a sua posição e respondeu friamente, por escrito: “Que, mantendo indefectivelmente as suas ideias políticas e tencionando continuar como militante oposicionista ao actual regime em actividade legal de acordo com essas ideias, não fará qualquer discriminação nem em relação ao Partido Comunista Português nem a qualquer outra organização como forças de carácter democrático e oposicionista”. É óbvio que Fernanda tornou a afirmar a sua posição de combate. Mesmo assim, Marcello Caetano mandou-a libertar, não querendo prolongar mais a pena da senhora, o que seria impensável no tempo de Salazar (nem por sombras!), principalmente em relação aos militantes do PCP.
Portanto, cara leitora, a maioria das pessoas, inclusive os políticos, tem coisas boas e coisas más. Günter Grass, escritor alemão e Prémio Nobel da Literatura, confessou ter sido voluntário nas SS. de Hitler, que não era uma organização qualquer - não se tratava de uma organização juvenil, mas de uma tropa de elite. Grass só agora revelou isso.