quinta-feira, julho 13, 2006

Juiz considera asnático argumento de advogado

Justiça
Uma ilustre figura da Justiça, que costuma ler o nosso blogue e com quem mantemos uma boa relação de amizade, acaba de nos dar conhecimento, por e-mail, de uma autêntica peripécia ocorrida no meio judicial, para comentarmos o assunto.
Um causídico queixou-se à Ordem dos Advogados depois de um juiz, num despacho, ter adjectivado de asnático um argumento por si produzido. O caso chegou ao Conselho Superior de Magistratura, que mandou arquivar a queixa, não ordenando qualquer procedimento disciplinar ao juiz autor do suposto "palavrão".
Ora bem, qualquer pessoa sabe que asnático é um adjectivo cuja palavra deriva de asno. Compulsando um qualquer dicionário de Português, asno é um substantivo masculino que, literalmente, quer dizer burro ou jumento; no sentido figurado é o mesmo que pessoa ignorante ou estúpida; se procurarmos sinónimos adjectivais para a palavra em questão encontramos os seguintes vocábulos: idiota, imbecil, presumido, pedante, etc... Desta forma, na nossa opinião e dentro dos nossos humildes conhecimentos, o juiz, ao adjectivar o agurmento de asnático, voluntária ou invonluntariamente, queiramos ou não, está a dizer que a expressão foi feita por um asno, ou burro, ou jumento, ou pessa ignorante, ou estúpida, ou idiota, ou imbecil, ou presumido, ou pedante, ou etc, ou etc... Por que não foi pedido parecer a um linguista na área do Português?
Francamente, são por estas e por outras peripécias que a Justiça portuguesa anda lenta e ineficaz. E enquanto se entretém com estas coisas, outras - mais garves - vão sendo adiadas, até proscreverem. Por outro lado, o que abaixo se transcreve até nos faz lembrar parte de um guião para teatro de revista.
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Eis, então, o assunto:
Conselho Superior da Magistratura
e o "ARGUMENTO ASNÁTICO"

Comentário do Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados.


OS FACTOS:

Em resposta a requerimento do Senhor Advogado Dr. João de Castro Baptista, respondeu o Senhor Juiz de Direito do Tribunal de Círculo de Santa Maria da Feira, Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira, nos seguintes termos:


"3. Apreciando e decidindo

....
3.6. No que se refere à invocada falta de aplicação analógica do artigo 796.º, n.º3 do CPC, salvo o devido respeito,
tal argumento é asnático e completamente contrário ao preceito legal que regula a aplicação de normas entre formas processuais distintas, a saber, as regras do art.º 463.º e 464.º do CPC que dispõe precisamente num sentido inverso de aplicação, ou seja, as normas do processo ordinário são aplicáveis ao processo sumário ou sumaríssimo quando nestes haja omissão ou insuficiência e no que neles não estiver estabelecido, jamais tendo sido intenção do legislador aplicar o absolutamente oposto, isto é, as normas do processo sumaríssimo ao processo ordinário."
(o destaque, a negrito, é nosso).
Perante tal dislate, violador das mais elementares regras de urbanidade e correcção, requereu o Senhor Advogado certidão do referido despacho, com que instruiu participação feita ao Conselho Superior da Magistratura, aí entrada em 29/12/2005, da mesma tendo dado conhecimento ao Conselho de Deontologia do Porto, que a remeteu ao Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados.
Face à gravidade dos factos, o Senhor Presidente deste Conselho Distrital, enviou, em 21/02/2006, carta ao Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura, nos seguintes termos:
"Tendo tomado conhecimento, na qualidade de Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, de participação disciplinar que o Exmº. Senhor Advogado, Dr. João de Castro Baptista, apresentou a esse Conselho Superior da Magistratura contra o Exmº. Magistrado Judicial Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira, em 29 de Dezembro de 2005, venho solicitar de V.Exª. me informe da situação actual da dita participação disciplinar, cujos factos reputo de muito graves e, na conjuntura actual, de absolutamente lamentáveis.
Permita Exmº. Senhor Juiz Presidente que daqui o cumprimente com consideração."
Em 12/04/2006, deu entrada neste Conselho Distrital, ofício assinado pelo Juiz Secretário do Conselho Superior da Magistratura, Senhor Dr. Paulo Guerra, capeando a deliberação do Conselho Permanente tomada em sessão de 21/03/2006, que é do seguinte teor:
"Decorrendo das explicações do Exmº. Juiz de Direito do Círculo Judicial de Santa Maria da Feira, Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira, que este não teve qualquer intenção de ofender a pessoa do Exmº Advogado, Dr. João de Castro Baptista, e que reconhece que a adjectivação usada no despacho, referido a um argumento invocado pelo ilustre causídico, corresponde a um momento infeliz, que deveria ter evitado e de que se penitencia, de forma pesarosa (atitude que está de acordo com a personalidade coerente e respeitadora dos valores que devem pautar o exercício funcional de um Juiz), foi deliberado arquivar a participação contra o Exmº Juiz apresentada pelo Exmº Advogado acima identificado.
Mais foi deliberado enviar cópia da resposta do Exmº Juiz ao Exmº Advogado participante."
Os factos acima descritos, mereceram o seguinte comentário do Exmº Senhor Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados:
"Foi com estupefacção que tomei conhecimento da deliberação tomada na sessão do Conselho Superior da Magistratura, de 21 de Março de 2006.
Mal vai a nossa Justiça quando se aceita, sem mais, que um Senhor Magistrado Judicial adjective de "asnático" um argumento jurídico usado por um Advogado no âmbito de um processo judicial.

E pior vai quando esse comportamento do Senhor Magistrado Judicial é "branqueado" pelo órgão máximo da Magistratura Portuguesa.
Estou em crer que este não é o caminho correcto para uma Justiça sã, verdadeira e credível.
Pense-se apenas no que sucederia se os Advogados, doravante, passassem a qualificar de ASNÁTICOS os argumentos jurídicos dos Senhores Magistrados usados nos respectivos despachos e sentenças.
Bastaria depois, no competente processo disciplinar instaurado, obviamente, ao Advogado em causa – ou até no processo criminal respectivo que teria com toda a certeza lugar - que este viesse penitenciar-se, de forma pesarosa e sofrida, do que afirmara e, sem sequer se ouvir o Senhor Magistrado ofendido, considerar-se-iam boas as explicações dadas pelo Advogado…e o processo, pura e simplesmente, seria arquivado.
A urbanidade, a educação e a responsabilidade por aquilo que cada um faz, nomeadamente por escrito, são factores fundamentais para o funcionamento de qualquer sistema judicial.
Foi, pois, com muita mágoa e muita apreensão que tomei conhecimento daquela deliberação, e, por isso mesmo, não quis deixar de partilhar com todos os Advogados esta minha indignação, aqui no «site» do CDPorto."

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CDPorto da Ordem dos Advogados