sexta-feira, outubro 21, 2005

Grande entrevista a Inácio Lemos, líder da Concelhia do PS

"O PS não deve fazer acordos,
deve fazer uma Oposição responsável"
No sentido de tentarmos compreender o actual momento político de Felgueiras, o DIÁRIO DE FELGUEIRAS publica hoje a primeira grande entrevista, feita a um dirigente partidário, inserida num rol de entrevistas que vamos tentar obter junto da classe política felgueirense.
Assim, começamos por ouvir Inácio Lemos, líder da Concelhia do PS/Felgueiras, partido que, nas autárquicas de 9 de Outubro, foi relegado para terceiro plano.

Não obstante ter já comentado publicamente os resultados eleitorais do PS em Felgueiras – que ditaram a hecatombe do partido no concelho, relegando-o para terceiro plano –, na sua opinião, quais os factores que estiveram subjacentes a esta pesada derrota?
Os resultados eleitorais do PS, quer para a Câmara Municipal quer para a Assembleia Municipal, não foram surpresa nenhuma. As razões que estão subjacentes à hecatombe verificada são:
1.º - O despotismo com que o candidato apresentado pelo PS tratou o partido que o acolheu;
2.º - Os actos infrenes que o candidato e o staff da candidatura cometeram;
3.º - O desconhecimento social e económico que o candidato demonstrou sobre o concelho de Felgueiras;
4.º - A falta de apoio aos candidatos às Assembleias de Freguesia;
5.º - O desrespeito e menosprezo com que trataram as outras candidaturas;
6.º -A falta da matriz socialista, que sempre foi característica das listas apresentadas pelo PS/Felgueiras;
7.º - A arrogância, a prepotência e o autismo que transversalmente contaminou toda a direcção de campanha;
8.º - A falta de liderança e tacto político;
9.º - A desconfiança que a candidatura sempre transmitiu.

Como foi amplamente noticiado, antes das eleições, o senhor acusou e responsabilizou José Campos por estar a conduzir o processo de candidaturas do partido para a Câmara e para a Assembleia de forma não condizente com a vontade de grande parte dos elementos da Concelhia, não contestando, porém, o processo de candidaturas para as Assembleias de Freguesia. Mas, até para estas autarquias, o PS perdeu, neste caso para o PSD, o maior número de autarcas eleitos. Tem alguma justificação para este fenómeno?
O processo de escolha dos candidatos às Assembleias de Freguesia foi conduzido com ponderação e com a certeza de que estávamos perante os melhores candidatos. O PS tinha garantias de que estavam reunidas condições para recuperar algumas juntas de freguesia (Jugueiros, Revinhade, Macieira de Lixa, Vila Cova e Vila Verde), mas sabíamos que não chegava apresentar bons candidatos. Depois era preciso fazer trabalho de campo, apoiar os candidatos, fazer acções de campanha nas freguesias, estabelecer compromissos de cooperação entre o candidato à Câmara Municipal e candidato à Junta de Freguesia nas respectivas freguesias com a presença dos habitantes dessas freguesias, para uma melhor fidelização política e social. Nada disso aconteceu, centralizaram todas as acções de campanha na figura do candidato à Câmara Municipal e não apoiaram os candidatos às Juntas de Freguesia. Esse foi um erro político grave que teve consequências gravíssimas para o PS. Os candidatos às Assembleias de Freguesia sentiram-se abandonados e desanimados pela forma como foram tratados. Mais uma vez, a culpa é do candidato à Câmara Municipal e das escolhas que ele fez.

A retirada da confiança política a José Campos, que foi anunciada pelo senhor em conferência de imprensa em 08 de Agosto, não terá, por seu lado, contribuído para o desastre eleitoral do PS? Ou, melhor dizendo, o Dr. Inácio Lemos não é, também, responsável pelo fracasso do partido nas urnas?
A minha responsabilidade é temporal. Sou responsável por ter aceite como boa a candidatura de José Campos à Câmara Municipal de Felgueiras. A partir do dia 1 de Maio, dia da apresentação do candidato, comecei a informar o partido de que era necessário corrigir e chamar à razão o candidato, porque o comportamento evidenciado começava a indiciar um mau resultado para o PS. Não me deram ouvidos, aguentei até ao dia 5 de Agosto. No dia 6 de Agosto a maioria da Comissão Política apoiou a minha decisão de retirar a confiança política. A partir daí deixei de ter responsabilidades nesse processo, porque José Campos deixou de ser candidato do PS/Felgueiras para passar a ser candidato do Largo do Rato. O acórdão do Tribunal Constitucional é claro nessa matéria, o PS/Felgueiras não tinha candidato às eleições autárquicas de 2005. O pior erro que José Campos cometeu neste processo foi acreditar que o apoio, camuflado e às escondidas, vindo de Lisboa era suficiente para galvanizar, mobilizar e ganhar as eleições em Felgueiras. Por isso não me sinto responsável por este resultado; tentei evitar, fui acusado de estar apenas preocupado comigo. Infelizmente, os resultados comprovaram o que eu, em Junho, disse a Francisco Assis e que sempre alertei nas reuniões em que participei enquanto membro da comissão de candidatura.

Posso concluir, então, que o senhor, hoje, não estará arrependido de ter retirado a confiança ao candidato? Melhor dizendo, hoje, não poderá chegar à conclusão de que poderia ter havido uma outra solução, diferente, menos drástica e mais ao nível do foro interno do partido, que não passasse por essa medida, que é sempre uma atitude dramática e com custos políticos muitos altos, como foi o caso?
Não estou nada arrependido. Apenas me arrependo de não ter tomado a decisão mais cedo. Mas entendo que ainda havia tempo para corrigir e transformar um projecto perdedor num projecto ganhador. José Campos não quis.

Quando tomou essa medida drástica – a de se não rever com a candidatura de José Campos –, Fátima Felgueiras já tinha informado a Justiça que regressaria a Portugal. O senhor chegou a acreditar no regresso anunciado? E chegou a acreditar na recandidatura da autarca, que já tinha em marcha o movimento Sempre Presente?
A partir do momento que, em Felgueiras, se gerou o movimento de recolha de assinaturas para apoiar e validar a candidatura de Fátima Felgueiras, deixei de ter dúvidas que o processo e a candidatura eram irreversíveis. Estava preparado o caminho para o regresso de Fátima Felgueiras. A coincidência das datas do julgamento e das eleições autárquicas era uma oportunidade que Fátima Felgueiras não podia perder e foi isso que ela soube aproveitar.

Dizem os analistas que a vitória de Fátima Felgueiras, nas circunstâncias inéditas em que ocorreu, é atípica. Concorda?
Não. Essa é uma análise atípica de quem não conhece a realidade social e económica do concelho de Felgueiras. Fátima Felgueiras ganhou as eleições porque o povo reconhece-lhe qualidades, vê nela capacidades de liderança, dedicação e trabalho. A vitória de Fátima Felgueiras não pode ser vista como um julgamento popular nem como uma afronta à Justiça. Não foi isso que o povo de Felgueiras quis transmitir.

Qual a sua perspectiva sobre os próximos quatros anos de gestão Sempre Presente na Câmara Municipal?
Vão ser quatro anos muito difíceis para o concelho de Felgueiras. Todos temos conhecimentos das restrições económicas orçamentais. As autarquias, também, vão sofrer restrições. Associado a tudo isto, ainda tem as questões judiciais que, também, vão ser um factor a ter em conta.
O PIDDAC inicial para 2006 prevê um total de investimentos para Felgueiras de 2.670.753 euros. Em relação a 2005, é um aumento muito grande. Dessa verba prevista, 60%, ou seja, 1.621.092, estão destinados para a Escola Superior de Tecnologias e Gestão de Felgueiras. O restante, 1.049.660, está distribuído por infraestruturas que todos os anos vêm contemplados em PIDDAC, com a agravante de ter desaparecido as verbas para a casa da Justiça.
Por isso, perspectivo que estes próximos quatro anos vão ser muito complicados para Felgueiras. O PIDDAC de 2006 é demonstrativo disso mesmo.

Na sua opinião, Fátima Felgueiras/eleita socialista e Fátima Felgueiras/Sempre Presente são a mesma pessoa política?
Claro que sim.

Fátima Felgueiras procurou consenso com o PS para conseguir a maioria política na Assembleia Municipal. No entanto, o deputado socialista Marques da Silva veio denunciar a público o modo como a autarca está a conduzir essa negociação. Qual a sua opinião sobre o assunto?
Cada um é responsável pelos actos que pratica, e, como tal, deve responder por eles. Tentar entendimentos não é proibido, nem vejo nenhum mal nisso, mas tentar entendimentos na base das ameaças, na coacção política e psicológica é subverter os princípios democráticos.

O Dr. Inácio Lemos acha que o PS, na Câmara e na Assembleia municipais, deve comportar-se como um identificado elemento da Oposição, do modo como o PSD tem sido ao longos dos mandatos, ou deve ser uma “força colaborante” com o movimento Sempre Presente, dado que o maior número de eleitos desta força política têm afinidade política com o PS? Muitos deles são militantes socialistas.
O PS como força política na Oposição deve ter um comportamento condizente com o estatuto de um partido de Oposição. Deve colaborar, sem ser subserviente, nas matérias em que o concelho de Felgueiras saia favorecido. Por outro lado, deve manifestar a sua Oposição naquilo que entenda que são medidas que prejudicam os felgueirense. Não deve fazer acordos! Deve fazer uma Oposição responsável e que dignifique os felgueirenses que neles confiaram.

Os jornais nacionais noticiaram, antes das eleições, que o senhor e Filipe Carvalho, da JS, são alvo de processos disciplinares dentro do partido, devido a um comunicado que assinaram, que, diga-se a verdade, é de fraca abonação à pessoa de Francisco Assis, líder da Distrital do PS/Porto. O senhor não teme as consequências?
Não. O que fiz foi em defesa dos valores, dos ideais e do património que o PS granjeou em Felgueiras. Nunca as minhas acções tiveram como objectivo guerras pessoais ou cultivar um clima de má convivência política. Por isso, estou de consciência tranquila. O que estava em causa era a salvaguarda de um património que foi construído durante trinta anos e que não podia ser destruído e apagado por má influência e por análises e decisões políticas feitas à distância, sem conhecimento da realidade em Felgueiras, e por opiniões feridas de legitimidade. Sempre defendi que Felgueiras merecia melhor, que o PS não estava a ser respeitado. Durante muito tempo, fui alertando para os riscos e perigos que o PS corria. Percebi isso desde a primeira hora; a verdade sempre esteve do meu lado. Infelizmente, foi o tempo que me deu razão. Dia 27 de Outubro, apresentar-me-ei para prestar declarações e demonstrar apenas que me preocupei em defender os interesses, os valores e ideais do PS em Felgueiras.

E sobre os anunciados processos contra os militantes socialistas que integraram as listas do movimento Sempre Presente? Acha que há legitimidade e autoridade suficientes para isso?
Os estatutos do partido socialista sobre essa matéria são claros. O PS, à luz dos inúmeros acontecimentos que envolveram as eleições em Felgueiras, deve actuar da forma mais justa e correcta. Sendo um partido democrático, com regras e disciplinado, deve, pelo menos, preocupar-se em ouvir os militantes para saber quais as razões pelo qual fizeram parte e apoiaram o movimento Sempre Presente. Esse é o caminho a seguir. Estou certo que é isso que vai acontecer, para bem do PS e pela defesa dos militantes. Há factos que não podem ser esquecidos, para que, no futuro, não possam voltar a acontecer. É do futuro que temos que começa a falar.

Fátima Felgueiras, na noite das eleições, “pediu a cabeça” de Francisco Assis. Que pensa sobre isso?
Fátima Felgueiras não pode imiscuir-se na vida interna do Partido Socialista, uma vez que já não é militante. Francisco Assis já tinha informado que abandonaria a liderança da Distrital independentemente dos resultados eleitorais. Talvez Fátima Felgueiras se tenha esquecido deste facto no calor da vitória. O discurso não deve ser de vingança, nas de esperança, de diálogo, de colaboração, de abrir portas, de estabelecer consensos, porque é disso que Felgueiras vai precisar.

Francisco Assis está a pretender deixar a discussão da liderança da Distrital para depois das eleições presidenciais. Acha que o tempo poderá fazer esquecer a promessa que fizera – a de que deixaria de ser líder da Distrital se não ganhasse a Câmara do Porto?
A decisão de adiar as eleições para as distritais e concelhias não é da responsabilidade de Francisco Assis. A direcção nacional do PS entendeu que não deve fazer eleições internas antes das presidenciais. Pessoalmente, discordo desta orientação. As eleições deviam ocorrer no mais curto espaço de tempo possível; a vida interna partidária não devia ser condicionada pelas eleições presidenciais. As estruturas locais e distritais precisam de novos projectos, novas orientações, dinâmicas diferentes e isso só se faz através de eleições. Entendo que as estruturas locais e distritais deveriam ter um período de vigência mais largo, passar de dois anos para quatro anos. Quatro anos são a duração dos mandatos autárquicos. Um projecto autárquico não se constrói apenas em dois anos; deve ser trabalhado e construído durante quatro anos. Não faz sentido que, a meio de um mandato autárquico, as concelhias e as distritais andem preocupadas com eleições internas. O que acontece, actualmente, é que os dois primeiros anos de mandato das concelhias e distritais são de mera gestão - nada se passa, nada acontece, o desinteresse instala-se e, depois, os resultados eleitorais autárquicos são aquilo que são. Por isso, mais importante que adiar as eleições para as distritais e concelhias é reflectir sobre os resultados eleitorais das autárquicas; quais as razões desses mesmos resultados; criar condições para que, daqui a quatro anos, os resultados sejam melhores. Isso, também, passa pela alteração estatutária da duração dos mandatos das concelhia e distritais.

O Dr. Inácio Lemos vai recandidatar-se ao lugar de presidente da Concelhia do PS/Felgueiras?
Apenas estou preocupado em terminar o mandato para o qual fui eleito. Ainda não pensei sobre o assunto. Deixo esse assunto para a altura própria. Mas quero já referir que uma candidatura não pode passar apenas por uma vontade pessoal. Para além da motivação, é necessário gerar consensos, é necessário sentir apoios. Projectos pessoais, projectos com remoques vingativos e com tendências de subserviência estão condenados ao fracasso. Ninguém deve ser candidato com o objectivo de ser representante desta ou daquela facção, desta ou daquela personalidade.


Depois dos resultados eleitorais do PS/Felgueiras nas autárquicas do passado dia 09, a estrutura local deverá renovar-se ou, mais drasticamente, refundar-se a partir das cinzas?
Espero que o PS/Felgueiras seja capaz de se renovar. O PS/Felgueiras têm todas as condições para que, daqui a quatro anos, seja, de novo, a força política mais votada no concelho. Mas para isso o PS/Felgueiras tem de deixar de ser um partido capelista. Tem que vingar uma nova cultura democrática onde os militantes têm que ser vistos como gente séria, com qualidade e sem desconfianças. Sou contra partidos sectários, colegiais. O PS/Felgueiras deve ser um partido aberto, regenerador, sem caciques, onde os militantes deixem de ter rótulos, chancelas, todos somos poucos. No PS/Felgueiras tem que acabar as divisões, tem que acabar os grupos, as guerras internas, a intriga, as cartas anónimas. O PS é dos militantes.

"Se a secção do PS na Lixa tivesse sido criada,o movimento Sempre Presente não existia, outra candidatura teria surgido"

O PS/Felgueiras deverá recrutar “nova massa crítica”, a partir de novos dirigentes e até de novos militantes, ou tentar a recuperação do actual “grosso modo”?
Dentro dos militantes socialistas há gente capacitada para formar uma Comissão Política com qualidade, renovadora, com “massa crítica”, com juventude. Há muito tempo que no PS não existia uma juventude tão mobilizadora, tão participativa, tão dinâmica, tão responsável. O actual líder da JS, Filipe Carvalho, é o grande responsável por esta mentalidade. Soube acabar com o amorfismo que se instalou durante muitos anos na Juventude Socialista. É esta mentalidade que deve imperar no PS/Felgueiras. Dentro dos militantes e com a participação da JS é possível criar uma Comissão Política capaz de pacificar e regenerar o PS em Felgueiras.

A inclusão de militantes socialistas que apoiaram e integraram as listas do movimento Sempre Presente no processo de recuperação do PS/Felgueiras será bem ou mal vista pelo actual líder da Concelhia?
Todas as pessoas são importantes. Como já referi, sou contra partidos capelistas, sectários, colegiais, que sejam a representação de uma só personalidade, de uma só tendência. Desde que as pessoas estejam empenhadas em trabalhar dentro dos pressupostos apresentados e se identifiquem com a estratégia, temos que contar com elas. O PS/Felgueiras deve ser uma família.

O facto de, antes das eleições, ter feito as pazes com Horácio Reis não será abrir-lhe uma janela para a possibilidade de uma “miscigenação política” entre o PS/Felgueiras e o movimento Sempre Presente?
As divergências com Horácio Reis foram apenas de âmbito político. A tentativa de criação da secção do PS na Lixa levou a algum distanciamento e ao confronto político. Sabia e tinha consciência quais os objectivos que estavam por detrás da criação da secção do PS na Lixa. Se a secção do PS na Lixa tivesse sido criada, o movimento Sempre Presente não existia, outra candidatura teria surgido. Daí que o entendimento que se proporcionou entre mim e Horácio Reis enquadra-se no espírito que deve imperar no PS. Um partido conciliador, onde todos devem ter direito à sua livre opinião sem sofrer represálias e perseguições. Esse entendimento visa a união e o entendimento dos militantes do PS. Esta deve ser a preocupação de um líder: unir e não fomentar a divisão.

Sem fazer futurologia, nunca lhe passou pela cabeça de, um dia, o PS nacional vir a apoiar politicamente Fátima Felgueiras?
Não tenho nenhuma bola de cristal que me permita fazer futurologia, mas tenho presente as declarações de Almeida Santos, no dia 5 de Outubro, em Felgueiras, e para bom entendedor meia palavra basta.