sexta-feira, outubro 21, 2005

Entrevista do Padre Rodrigo ao Semanário de Felgueiras

O Padre Rodrigo da Costa Ferreira foi o pároco que nos últimos 200 anos mais tempo esteve à frente da Paróquia de Margaride.
Vai passar o testemunho ao Padre Benjamim Mesquita, que, a partir de domingo, será oficialmente o novo pároco de Margaride.
Natural de Airães, com quase 69 anos de idade, o padre Rodrigo Ferreira, na sua simplicidade habitual, concedeu uma entrevista ao Semanário de Felgueiras, que, com a devida vénia, o Diário de Felgueiras decidiu transcrevê-la.

O Padre Rodrigo esteve à frente da Paróquia de Margaride durante cerca de 30 anos. É muito tempo. Que balanço pode fazer em termos sumários desta sua missão?
Devo dizer que desde o ano 1800 que não houve um padre que estivesse nesta paróquia tantos anos como eu acabo de estar. É um bocado complicado fazer um balanço de 30 anos. Penso que o trabalho que foi desenvolvido foi o normal, não há nada de especial a assinalar, quer no aspecto negativo, quer no aspecto positivo. Procurei servir esta porção da Igreja que me foi confiada pelo Bispo, tendo contado com a colaboração preciosíssima da minha irmã, que, como dizia D. António Ferreira Gomes, foi o meu braço direito e o meu braço esquerdo. Substituiu-me em muitas tarefas, o que foi importante. Contei com a colaboração de muitos paroquianos em número crescente e é natural que, com alguma emoção e saudade, me despeço destas funções.

Tal acontece a seu pedido?
Sim. Desde há três anos a esta parte que vinha pedindo insistentemente ao sr. Bispo para me substituir. Finalmente, acabou por entender que já não tenho saúde suficientemente forte para corresponder às necessidades da pastoral paroquial. Cheguei ao momento em que ou deixava tais funções ou a minha saúde iria ressentir-se fortemente. O médico preveniu-me desse facto: ou deixaria parte das actividades ou corria o risco de abandonar precocemente tudo. O sr. Bispo sabe de tudo isto por documentos que o comprovam. Há uma hora para entrar e outra para sair e neste caso chegou a hora de sair. Sair, no sentido de deixar de ser pároco, passando a ser paroquiano e padre. Isto é, passo de pároco para eles a paroquiano/padre com eles. É como uma paráfrase de S. Agostinho, doutor da Igreja, sou Bispo para vós, sou cristão convosco.

Irá colaborar com o novo pároco?
Irei colaborar sempre que me for solicitado. Estou convencido que o novo pároco irá fazer coisas fantásticas nesta paróquia.

Como é que o novo pároco vai receber a paróquia de Margaride?
Ao nível da organização é artesanal. Não está nada informatizado. É uma situação que funciona. Repare que em 30 anos apenas por uma vez, infelizmente, um grupo de crianças veio para a catequese e não tinha ninguém para a dar. Felizmente, em 30 anos, isso aconteceu apenas uma vez. É um sinal de que, apesar de artesanal, a organização é ordenada e as coisas têm funcionado.

Esta é uma paróquia dinâmica?
É uma paróquia unida, com um número razoável de leigos comprometidos e dedicados, de diversas faixas etárias, tanto homens como senhoras, de nível sócio-económico e cultural diversificado, com pessoas com a escolaridade obrigatória, outras com estudos secundários e outras licenciadas nas mais variadas áreas. São colaboradores importantes e sem eles nenhum padre iria a lado algum.

O sr. Padre é uma pessoa simples e não gosta de protagonismo, mas deixa duas obras emblemáticas da paróquia: o Salão Paroquial e a sede dos Escuteiros. São obras que o enchem de orgulho, presumo?
Eu diria que foram as últimas obras. A parte do Salão Paroquia,l onde está incluída a Capela da Ressurreição, e a sede dos Escuteiros mais recentemente, sendo a última das últimas. Não considero que sejam as mais importantes nem emblemáticas. A parte visível do trabalho não é a
mais importante. As estruturas físicas estão ao serviço da pastoral e a parte não visível é, sem dúvida, a mais importante e na qual me empenhei mais, embora não se veja.

Considera que ao nível pastoral espiritual fez um trabalho suficiente?
Considero que foi o possível.

Mas a Igreja ao fim-de-semana continua a estar cheia…
Sim e isso é reconfortante. É belo ver a Igreja repleta. É estimulante ver pessoas da paróquia, e não só, a assistirem às missas, e temos várias ao fim-de-semana... Para além disso, a missa dominical é transmitida pela Rádio Felgueiras e muita gente gosta e ouve com atenção, e gosta optando por ouvir a nossa missa, em detrimento de outras, como, por exemplo, na Rádio Renascença ou até na TV, onde também existe a imagem e celebrações muito belas. A maneira como o povo participa nas celebrações é interessante e muita gente gosta.

Ao longo de 30 anos acompanhou o evoluir da cidade e das mentalidades dos felgueirenses. Que diferenças nota ao nível sobretudo de mentalidades e comportamentos?
Há grandes mudanças mas, em termos de adesão a Deus e à Fé, considero que nestes anos há algo de positivo. O compromisso dos leigos na pastoral paroquial foi uma evolução forte. Quanto às mentalidades, a mudança nestes 30 anos é brutal. Nem sempre a evolução foi no melhor sentido, porque valores humanos muito importantes foram postos no fundo da tabela ou mesmo fora de qualquer tabela. Isso é mau. Valores universalmente reconhecidos como autênticos foram substituídos pelo hedonismo, pelo ter dinheiro, ser importante, concorrência desleal, falta de honestidade, criminalidade, enfim, um conjunto de coisas más para a sociedade e para a humanidade.
Claro que há evolução positiva. Dá-se mais valor à dignidade da pessoa humana, à fraternidade entre as pessoas, não há racismos, entre outras coisas.

Sente-se a falta de solidariedade entre as pessoas?
Quando a paróquia tem tomado iniciativas nesse sentido, a adesão é fantástica. As pessoas têm é de ser motivadas para isso. Por exemplo, o peditório para as Missões é sempre o maior. Não sinto que não haja solidariedade.

Refiro-me em concreto à solidariedade para com o próximo, o vizinho digamos.
Há pessoas que são e estão sensíveis e que tomam atitudes concretas de ajuda. Também reconheço que há egoísmo, que cada um pensa em si e só em si, uma característica das cidades. Embora sendo uma cidade pequena, Felgueiras tem prédios onde as pessoas nem se conhecem.

Isso preocupa-o?
Naturalmente. Isso é complicado. Se as pessoas não se conhecem…são desconhecidos e não há solidariedade.

Enquanto pároco há também pessoas que não conhece. Se calhar antigamente não era bem assim?
Se quando para aqui vim havia muitas pessoas que não conhecia, agora isso acontece com mais frequência porque a cidade cresceu.

Sente que as pessoas que vieram viver para a cidade se ligaram à comunidade paroquial?
Umas sim, outras não. Há pessoas que vieram para Felgueiras de outras terras e que quando assistiram a uma Missa em Margaride ficaram encantadas. Algumas pessoas sentiram-se motivadas e tornaram-se colaboradoras activas. Recordo um episódio muito belo. Há 20 e tal anos, quando o Bairro João Paulo II ficou povoado, digamos assim, a vigília pascal terminou lá com uma missa campal na presença do sr. Bispo, D. João Miranda Teixeira, que, como se sabe, é de Vila Verde. Foi uma missa de acolhimento da paróquia àquela gente que veio das mais diversas paróquias do concelho e de fora dele. Num bairro social, com gente carenciada em vários aspectos, tudo correu bem e foi uma grande festa.

Falando da mudança física da cidade. Na área da Igreja não houve grandes mudanças, mas noutros sítios sim. Como viu esses processos?
Não queria entrar muito por ai em detalhes técnicos. Há coisas com as quais eu simpatizo e há outras que me parecem menos felizes, como muita gente também concorda, mas não queria concretizar.
O templo actual é suficiente para as necessidades da paróquia?
Sim, na medida em que celebramos quatro missas dominicais e há outros centros de culto na cidade. Dentro da paróquia há dez celebrações dominicais.
Para já, desde que continue a haver este número de celebrações, a Igreja é suficiente. Aquando do centenário, fizemos uma intervenção que aumentou quase duplicando a capacidade da Igreja.
Enquanto pároco acha que deixou alguma coisa por fazer?
Gostaria de ter feito mais e melhor. Dentro das minhas limitações, fiz aquilo que julgo me foi possível. Há apenas um aspecto, que é o parente pobre da pastoral: o sócio-caritativo. O sector da evangelização está muito vivo, mas este não está muito vivo, porque o número de elementos que nele trabalham é reduzido. Felizmente que existem muitas associações e instituições que se dedicam a esta causa, o que liberta a paróquia. Em muitos casos de carência económica e de solidão, a paróquia não tem conseguido acompanhar quanto seria desejável. Mas essas instituições, que são muitas, têm feito um bom trabalho, o que tranquiliza a consciência. No aspecto cultural também existem opções, o que é bom porque ocupa as pessoas. Há muita coisa positiva, muitos valores.

Como é que os paroquianos estão a reagir à notícia da sua saída?
Penso que estão a reagir como esperava porque entendem e aceitam as razões. Depois porque o meu sucessor é um padre com provas dadas, um padre que estimo e considero porque na Paróquia de Idães desenvolveu um grande trabalho. Não me vai suceder nenhum padre desconhecido, o que é bom. Na parte sentimental, sinto que pelo facto de o sr. Bispo me permitir continuar a residir aqui e a colaborar com o novo pároco, é positivo, porque não há nenhuma despedida. Eu continuo por cá. Irei celebrar missa diariamente na Igreja Matriz às 8h30, se calhar irei a Torrados e S.Vicente de Sousa ajudar. Estarei por cá, para ajudar no que me seja solicitado com todo o gosto.

Vai continuar a celebrar missa?
Sim desde que o pároco deseje que eu ajude. Não tomarei nenhuma iniciativa em relação à pastoral. Eu prestarei os serviços que ele entender. Estou disponível para ajudar naquilo que o pároco entender.

Diz-se muitas vezes que a Igreja e os padres não tomam posição sobre determinadas matérias do foro social e até político de forma dura e esclarecedora. Acha que é assim, o que é que a sua experiência lhe diz?
Isso é um tema muito abrangente. Para isso não tenho resposta. Quer concretizar alguma ideia?
Por exemplo em relação à crise económica e à política?
Os Bispos têm documentos produzidos bastante críticos e políticos, porque uma coisa não se pode dissociar da outra. Em relação ao meu caso e no que toca à política partidária, sempre tive uma posição de respeito e isenção. Tem havido colaboração entre a paróquia e as entidades constituídas em autoridade naquilo que diz respeito ao bem comum. Não há intromissão do sector político na vida religiosa, nem o pároco se mete na política, Estou convencido que ninguém sabe em quem é que eu voto. Nunca o disse a ninguém. Penso que nunca ninguém pode ter entendido que eu iria votar neste ou naquele.

Essa posição de distanciamento é a que continua a defender?
Tomo esta posição, porque tanto considero meus paroquianos os da extrema-direita como os da extrema-esquerda. Considero-os por igual, são todos queridos. Não devo criar divisão quando a minha missão é criar comunhão, o que tenho conseguido ao longo destes quase trinta anos. Sinto a estima de toda a gente de todos os quadrantes.

Abordo este tema porque parece por vezes que, dada a confusão que existe sobre algumas matérias do foro político e cívico, algumas pessoas às tantas esperavam mais do seu líder espiritual…
Alguns gostariam que o padre, nas suas homílias, desse indicação do sentido em que devem votar. Mas o objectivo de criar comunhão é essencial e a missão do pároco não é imiscuir-se na política. Deve fazê-lo, se assim entender nos princípios gerais, como o dever de votar, votar em consciência, ter em conta os princípios do Evangelho, mas só.

Qual é a mensagem que deixa ficar aos nossos leitores e paroquianos?
Vamos continuar a viver. Vão continuar a ver-me por aqui, serei paroquiano padre.

Sente que deixa estas funções com a missão cumprida?
Sinto que me vou realizando todos os dias, mas não me sinto realizado. Dentro da simplicidade e da dedicação, penso que fiz o trabalho que julgo possível. Todos temos limitações. Há dias numa pequena entrevista sobre a Cercifel, disse que todas as pessoas são deficientes, no sentido de que ninguém é perfeito. Só Deus o é. Por isso nada do que fazemos é perfeito e nunca devemos sentirmos realizados.Considero o meu trabalho normal.
(SEMANÁRIO DE FELGUEIRAS, 21 de Outubro de 2005)
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