Anabela Melão
Jurista
Aqui deixo
algumas pedras de toque.
Os autores
do livro Má Despesa Pública esclareceram e concluíram, nalguns casos, alguns
aspectos sobre a incúria, a negligência e a má governação em Portugal.
Primeiro, contam como esbarram com a indiferença e a inadimplência dos gestores
da res publica. Opinam mesmo que, na raiz da corrupção, é ao nível autárquico e
nas empresas do Estado que está instalado um sentimento de impunidade que é a
mó da má gestão e da corrupção. Por exemplo, quanto pode uma moção de censura a
uma junta de freguesia? Nada. As consequências são meramente politicas.
O
objectivo da investigação dos autores foi o de “despertar consciência cívica,
fomentar o escrutínio, pois o escrutínio leva à responsabilização”.
Aponta-se
já para as autarquias como o ponto nevrálgico, mas o sector empresarial do
Estado é o mais problemático. Há uma constatação técnica da falta de recursos
humanos e de competências técnicas do Tribunal de Contas para intervir,
fiscalizando, ao nível do sector empresarial do Estado.
É nos
ajustes directos que se escondem os piores exemplos? Consideram os autores que
sim. Que o recurso frequente ao ajuste directo obsta à transparência. “O
Tribunal de Contas analisou o sector empresarial do Estado em 2007, um
relatório só especificamente sobre ajustes directos. Das 69 empresas públicas
analisadas, no total, e só nesse ano, adjudicaram 102,7 milhões de euros de
despesas, sendo que 70% das adjudicações foram feitas com recurso ao ajuste
directo e só em menos de 2,7% dos casos foi consultado mais de um prestador de
serviços. Isto espelha bem a forma de actuação do sector empresarial do Estado,
quer violando regras e princípios como o da concorrência, quer ao nível da
transparência e da relação custo-benefício. O problema do ajuste directo é que
nunca sabemos – só podemos imaginar – se não seria possível fazer o mesmo por
um preço muito mais baixo. Não sabemos, porque não há esse termo de comparação.
O Estado não zela pelo interesse público quando recorre amiúde a este tipo de
contratos.”[1]
Parece-vos
que há um problema de impunidade? “O que permite que isto aconteça há décadas é
a impunidade. E só é assim, por falta de vontade. A gestão danosa está
contemplada no código penal e não é assim tão subjectiva como se sugere. Basta
pegar nos relatórios do TC. E evidente que há gestão danosa nas obras públicas.
E há falta de cultura cívica na sociedade portuguesa. O cidadão vai votar,
quando vai, e acha que termina ali a obrigação. Nas escolas, ou noutros espaços
públicos, não c fomentado o discurso cívico e é claro que o poder público não
quer transparência A administração pública quer viver como tem vivido durante
muitos anos, no secretismo. Temos um quadro legal, que começa ao nível da
Constituição portuguesa, que passa pelo código de procedimento administrativo,
que rege a actuação dos entes públicos, de uma forma geral, e vai a uma lei
específica, que é a lei de acesso aos documentos administrativos – lei que é
violada todos os dias. Nesta matéria, nem precisamos de mais leis, necessitamos
apenas que sejam cumpridas. Algumas leis são feitas para complicar. E quem é o
legislador por excelência? A Assembleia da República. E vemos a leviandade com
que muitas vezes são feitas as leis.”
O Tribunal
de Contas é ignorado? “O Tribunal de Contas é muito ignorado neste país, seja
pela sociedade civil seja pelos agentes públicos, inclusivamente pelo próprio
Ministério Público, que é o detentor da acção penal e que poderia prestar
muitas vezes outra atenção às conclusões da instituição. A única penalização
que o TC pode aplicar, quando há gestão irresponsável, são coimas. Mas os
visados nesta matéria, condenados por má gestão pública em exercício de cargos
públicos, não pagam as coimas que lhes são aplicadas, em manifesto desrespeito
pelo órgão de soberania.”
Há, pois
que repensar o sistema de avaliação e de controlo dos gestores da coisa
publica. Alargando o leque de competências do TC, elevando as coimas, localizar
pontos de actuação de perigo. Em suma, esgotem-se as vias pedagógicas, que de
nada têm servido, e reforcem-se as competências de penalização, sobretudo
aumentando as acções punidas e as coimas aplicando.
É que,
perdida a vergonha, só o “entrar no bolso” destes “tipos” funciona!
Uma década
com competências em organismos de supervisão e controlo diz-me isso!