Anabela Melão
Jurista
A verdade é que a cadeira
de Direito Constitucional, nem na Faculdade de Direito, é muito valorizada, e,
a grande parte dos alunos, um dia juristas, advogados, magistrados, nem lhe percebem,
as demais das vezes, a serventia. O Tribunal Constitucional que o aplica, por
excelência, é, também, menos e menos, reconhecido como um último reduto da mãe-democracia,
e, mais a mais, como “apenas” garante da omnipresente e omnipotente atividade do
Estado. Existem já vozes que defendem a sua extinção, e, em sua substituição, a
criação de uma secção constitucional
no Supremo Tribunal de Justiça, aproveitando, assim, para recolocar em cima da
mesa a questão do método de eleição e de recrutamento dos juízes e da eficácia
do sistema.
O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade da suspensão
do pagamento dos subsídios de férias ou de Natal a funcionários públicos ou
aposentados, justificando a decisão, nove votos contra três, alegando que “a
dimensão da desigualdade de tratamento que resultava das normas sob
fiscalização” violava o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da
Constituição, aplicando uma medida que “se traduzia numa imposição de um
sacrifício adicional que não tinha equivalente para a generalidade dos outros
cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes” e concluiu que
a diferença de tratamento era “de tal modo acentuada e significativa” que não
era justificável pelas “razões de eficácia na prossecução do objetivo de
redução do défice público”. “Apesar da Constituição não poder ficar alheia à
realidade económica e financeira, sobretudo em situações de graves
dificuldades, ela possui uma específica autonomia normativa que impede que os
objetivos económico-financeiros prevaleçam, sem qualquer limites, sobre
parâmetros como o da igualdade, que a Constituição defende e deve fazer
cumprir”, refere o acórdão.
Mas aquele tal último reduto da defesa dos particulares sai seriamente
prejudicado com aqueloutra conclusão: “atendendo a que a execução orçamental de
2012 já se encontra em curso avançado”, o TC restringiu os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade, não os aplicando à suspensão do pagamento
dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos
13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012.
Repare-se que recorre a uma argumentação extra-juridica para
fundamentar uma decisão que tem, tão-somente, de ser jurídica. Questões de
oportunidade ou de conveniência vêm a despropósito e é, provavelmente, um
reflexo da politização da decisão do TC, filha do método de eleição dos
próprios juízes.
Aproveitando o jeito Até já o Primeiro Ministro vislumbrou que, assim
como assim, se o pretexto é o da “igualdade”; então que se “iguale”: imponha-se
o corte salarial a todos os trabalhadores!, ou seja, terá de ser encontrada uma
“medida equivalente, alargada a outros portugueses”, que não especificou, a
introduzir no Orçamento de Estado para 2013. Até porque para “satisfazer o
compromisso solene do país” de ajustamento orçamental, “os sacrifícios não
podem ficar confinados a esses cidadãos”.
Esta “igualização” é comovente! Porque vai sempre no único sentido
possível: o de tornar mais pobre a classe média, reduzindo-a, acabando com ela!
E dizemos isto com sustentação. Como é
que a Conta Geral do Estado de 2011 mostra que 25 gestores de 13 entidades não
sofreram qualquer redução salarial? De que serviu e qual a penalização por não
ter sido aplicada a decisão do segundo semestre de 2010 do corte salarial de 5% para os gestores públicos e do
congelamento de prémios? De que valeu decisão em 2011 de cortes entre os 3,5% e
10 % nos salário dos funcionários públicos que recebessem mensalmente mais de
1500 euros brutos? É porque aquelas criaturas de um deus à parte não foram
alcançadas pelo braço negro da crise! Mais. A Inspeção-Geral de Finanças
detetou que em duas instituições houve uma “atribuição generalizada de prémios
de desempenho” e que foram atribuídos carros de forma permanente a alguns funcionários,
para uso regalado durante o fim-de-semana e feriados (com portagens e
combustíveis pagos pelo estado). Não falamos de carrinhos de linhas!
Razão tem Fernando Sabino “Para os pobres, é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a
lei. Para os ricos, é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica.”
Nota do Editor
Com a devida vénia, publicamos este excelente (mais um, excelente...) artigo de opinião da Dr.ª Anabela Melão. O destaque, a verde, é da nossa responsabilidade.
José Carlos Pereira