terça-feira, novembro 23, 2010

Já que começou o natal | por Mário Gaspar

Mário Gaspar


Sr. pai natal.

Para começar esta carta, queria informar-te que sou ateu, ateu praticante. Isto para me distinguir dos católicos não-praticantes, que é como ser adepto de um clube sem ser sócio. Por ser desta raça de ateus, não devia acreditar que tu possas existir, porque tu já foste um sub-produto do tal divino irreal. Num passado distante já foste conhecido por S. Nicolau de Taumaturgo e mesmo por S. Basílio de Cesareia. No fundo, és um transformista, mas fizeste o teu percurso, e, de ícone do cristianismo, passaste a logótipo do capitalismo. És um pragmático; reconheceste um deus num tempo e abraçaste o deus do nosso tempo: o dinheiro.

Como é evidente, não aprovo essa tua teoria de dividires as crianças em maus e bons. Acho que és um superficial, não conheces as razões e condições de uns e de outros, tomas a decisão com muita facilidade, sem aprofundares as verdadeiras motivações do comportamento humano. Afinal, na tua lista fascista-estalinista de bons e maus, o que ganha uma criança bem comportada – que muitas vezes teve que suster hipocritamente a sua explosão criativa, para se manter calada e disciplinada? Ganha um objecto material, quantas vezes objecto de exploração de outras crianças mal comportadas, onde a tua máquina voadora não passa.

Não te quero mal! Acho que o stress produtivo, a ilusão inventada de que espalhas o bem em caixas decoradas, não te deixa ver mais longe, e acreditas que estás a trabalhar para algo nobre. Penso que estás enganado. Não és mais que um elo de uma corporação mundial que te explora, ano após ano. Só não sei se tens consciência disso, ou é algo que nunca podes exprimir? Maquinalmente, mesmo muito antes de Dezembro, apareces para dizer sempre o mesmo: "Portaste-te bem este ano? Oh, oh, oh, oh".

Eu não quero que me dês nada, até porque não acredito em ti. Mas quero dar-te alguma coisa. Um conselho – aqui, como não acredito no teu potencial metafísico, estou a falar para o alto funcionário do sistema do dinheiro, que és tu –, revolta-te profissionalmente!!!

Renega a tua empresa e diz a todas as crianças que não queiram nada, que a melhor de todas as crianças é aquela que não quer nada, mas que quer que nada falte aos outros. Chama os pais e as mães dessas crianças – já que tens acesso à casa deles - pelo telhado, é certo! – e diz-lhes que se revoltem também, que deixem de pensar no raio das prendas e abracem os filhos. Que lhes digam que isto pode ser diferente.

Está frio, mas venham para a rua, onde há gente que quer ver a alegria dos vossos filhos de todos os filhos e o vosso sorriso! Diz para fazerem uma festa da mudança. Ocupem as ruas! Que de todo o papel que gastam em embrulhos para presentes, escrevam um livro de todos, com o título: "o dia em que o natal mudou o mundo".
Os teus patrões não vão ficar contentes, mas é por aqui que começamos...

Mário Gaspar
Nota do autor: Este texto foi escrito não conforme o novo acordo ortográfico.