domingo, junho 13, 2010

Ai Acúrcio, Acúrcio!... Meu maroto!

A notícia vem no JN da passada sexta-feira…
O Padre Acúrcio, falecido há 85 anos, é uma das figuras típicas de Oliveira do Bairro. Reza, a notícia, que, para além de sacerdote, era jornalista, pensador e poeta. E é na parte poética que a coisa se complica, mesmo 85 anos após a morte do autor: o padre/poeta/jornalista/pensador escreveu, um dia, a seguinte quadra, que é um autêntico epitáfio (pessoal ou colectivo, falta saber):

Aqui, neste cemitério,
Crescem desmaiadas flores,
Rociadas pelo pranto
De mães, noivas e amores!

Pois bem… A Câmara Municipal de Oliveira do Bairro indeferiu a pretensão de uma associação do concelho de homenagear o sacerdote com a colocação de uma placa em que se reproduz a quadra em destaque à entrada do cemitério velho da cidade. Pelos vistos – pelo que refere também a notícia –, o próprio padre, em vida, teria escrito a quadra pelo seu próprio punho no muro do cemitério.
Não queremos difamar o padre Acúrcio, há muito falecido: se a quadra espelha um sentimento colectivo – ou seja, da generalidade das pessoas sepultadas no cemitério -, aí, tudo bem (não fica implícita uma confissão pessoal); porém, se o sentimento é individual e se a dita quadra foi mesmo escrita pelo padre, então o senhor Acúrcio era um maroto…
Fazendo uma primeira análise da quadra e da notícia do JN, somos inclinados a pensar que o falecido estava a expressar algo de muito pessoal. E porquê? Veja-se: refere, a mesma notícia, que a quadra em questão contem “um dos mais emblemáticos versos do falecido padre”. Emblemáticos? Mas em que sentido? – perguntamos. A nível formal e literário, caramba, a quadra é muito fraquinha! Mal da vida se o homem não escreveu coisas melhores. Veja-se: não é o caso do poema de rimar apenas no 2.º e no 4.º versos e, por cima, com rima pobre (dois substantivos), mas pela falta de cadência, de ritmo e com uma notória confusão de elementos sonoros (um exemplo: “prantos” fica tão mal). Mais: tenta ser uma quadra de redondilha maior, mas o último verso apenas tem seis sílabas métricas. Portanto, se estes versos são tão emblemáticos como dizem, não é a nível formal e literário; poderão ser mas por se tratar algo de pessoal e, quiça, caracterizador de qualquer coisa. E, nestes casos, ninguém pode falar pelos outros.
Exercer a censura é feio e antidemocrático, mas quem a exerceu neste caso não é nada tolo.

JCP