segunda-feira, janeiro 04, 2010

Homenagem a um Poeta e à sua região natal



Miguel Torga escreveu o seu último poema dois dias
antes de morrer, "Requiem Por Mim"

. . .

PARA MIGUEL TORGA
(de José Carlos Pereira)


O meu duelo de ternura com o Poeta,
honrado português de Trás-os-Montes,
que dorme no chão agreste do seu berço.

Prometo ser-te breve na existência,
Mas não posso, não quero, aqui dormir:
O mundo, para mim, não é essência;
Apenas o sinal do seu devir.

Ter-me-ia equivocado na imprudência
De dormir com os bichos, no sombrio
Deste chão, onde dorme a consciência
Do teu ser – mais humano e... mais vazio!

Eu quero ser, p'ra além de mim, a essência
Do que fui, do que sou, e que serei:
Mais doce, como tu, na inteligência;
Mais amargo naquilo que não sei.

O que não sei, de facto, pode vir,
P’ra dar aos homens outra Criação,
E realizar-se, ao mínimo porvir,
Numa ou noutra futura geração.

Mas, Poeta, contigo não discuto
Uma ideia, uma frase – nem um verso!
Na busca do possível Absoluto,
Tudo em mim é heróico e controverso.

Quero-me só, no meu desassossego,
Gélido, como o inverno transmontano,
E ter, no coração, todo o enlevo
Da Alma do Poeta enquanto humano.
. . .
PARA LÁ DO MARÃO
(de Diabo a Sete)

Ao falarmos de Miguel Torga, é obrigatório referir-se a sua região natal (Trás-os-Montes), tão presente na sua obra. Terra sofrida, de milénios de isolamento, do qual só agora parece libertar-se.
Segundo o Professor Jorge de Larcão, na sua obra "Domínio Romano em Portugal", na fase pré-romana da larga região da futura Gallaecia - região político-administrativa romana, que, no Séc. III dC, compreendia o norte de Portugal, a Galiza e as Astúrias - terão existido mais de 300 povos autóctenes, o que constituía um verdadeiro caldo cultural, de comunidades muito diferenciadas entre si (a nível linguístico e não só), e que os invasores romanos se encarregaram de dizimar ou, no mínimo dos casos, aculturar. Trás-os-Montes, devido à sua interioridade, foi o território onde essas comunidades pré-romanas mais se prolongaram no tempo.
O estudo sobre a existência desses povos está longe de ser concluído. Cabe às gerações mais jovens fazê-lo, até para melhor conhecermos as raízes deste Portugal profundo.
Pois bem, a nível musical, não vamos tão longe na História... É impossível. Mas queremos ilustrar esta homenagem a Torga e à sua região com a música "Para lá do Marão", que é a oitava faixa do álbum de estreia da banda "Diabo a Sete", de Coimbra. O álbum intitula-se "Parainfernália" e foi editado em 2007.
A banda "Diabo a Sete" corre o país de lés-a-lés e canta muito das recolhas de falares antigos das mais diversas regiões de Portugal. "Prá lá do Marão" é uma delas.
Durante a música são cantadas três quadras da canção "Tirioni", popular das Terras de Miranda (Trás-os-Montes).
Ora ouçam!


Cardai cardicas cardai
la lhana pa los cobertores,
que las pulgas (e)stan prenhadas,
van a parir cardadores.

La moda d'l Tirioni
quin l'havi(e) d(e)aumentare?
Un burro d(e)un cardadore
que la truxo pal'lhugare!

L'lhugar de Du(e)s Eigreijas
te(n) una pidra bermelha
donde se sentam los moçus
a peinar a la guedeilha.