sábado, novembro 07, 2009

O combate à corrupção | Alfredo José de Sousa

Caro José Carlos:

Ao vasculhar o meu arquivo pessoal, reencontrei o presente artigo de opinião, da autoria do juiz-conselheiro Alfredo José de Sousa, intitulado "O Combate à Corrupção" e publicado na revista VISÃO em 17 de Janeiro de 2008.
Considero o texto intemporâneo, não obstante terem passado já dois anos após a sua publicação e o seu autor ter entretanto assumido o cargo de Provedor de Justiça.

Um abraço
Marília Moreira

Actual Provedor de Justiça

Na sequência do relatório da sindicância aos Serviços de Urbanismo, António Costa, presidente da Câmara de Lisboa, viu aprovada por unanimidade uma proposta que constitui um marco fundamental no combate à corrupção em Portugal. Helena Roseta, em carta aberta que lhe dirigiu, no Público, considerando essa sindicância a ponta do icebergue, traça concisamente o descalabro da gestão do património, do urbanismo, das obras municipais e da fiscalização dos últimos executivos camarários.
Da sindicância, os media só têm dado relevo aos processos disciplinares e à eventual nulidade dos actos relativos aos empreendimentos de Alcântara, Vale de Santo António, Olaias e Parque Oriente.
Mas, em combate à corrupção, aquela deliberação vai muito mais longe do que o projecto do PS aprovado pela Assembleia da República, na sequência de uma iniciativa muito mais ampla de João Cravinho. Com efeito, ela não se limita a sancionar e corrigir actos ilegais, antes, sobretudo, procura actuar ao nível da prevenção da corrupção.
Fá-lo, desde logo, através de medidas de reorganização e racionalização dos departamentos e de simplificação dos procedimentos, em matéria de edificação e urbanismo. Normalizando modelos de peças processuais, facilitando a consulta online externa dos processos, estabelecendo um único interface para consulta do cadastro municipal, ligando num único ponto de contacto os vários sistemas de informação da Câmara, reduz drasticamente a burocracia, tornando os serviços mais eficazes e amigos do cidadão.
Em matéria de transparência administrativa, a deliberação impõe aos funcionários o dever de informar a hierarquia da existência de conflitos de interesses e, coerentemente, reforça o Departamento de Auditoria Interna com meios de controlo em matéria urbanística. Se todas estas medidas forem cumpridas em prazo razoável, ficarão significativamente diminuídos os riscos de corrupção.
MAS A CÂMARA vai mais longe, ao propor à Assembleia Municipal a criação de uma Comissão para a Prevenção da Corrupção, com três personalidades de reconhecida idoneidade, designadas por maioria de dois terços, com mandato não renovável e não coincidente com os órgãos autárquicos.

"A deliberação da Câmara de Lisboa
constitui um marco no combate
à corrupção em Portugal"

Cumprir-Ihe-á elaborar um Código de Conduta dos agentes autárquicos, que densifique os respectivos impedimentos legais, e monitorizar áreas sensíveis de risco de corrupção - elaborando códigos de boas práticas, avaliando e encaminhando queixas dos cidadãos e dos trabalhadores. De tudo esta comissão deverá publicar um relatório anual reportado à Assembleia Municipal.
Assim, além de cumprir o seu programa, António Costa mostra-se em consonância com a Convenção da ONU de 2003, aprovada pelo Parlamento, a qual vai ao ponto de preconizar a instituição de sistemas que facilitem as denúncias de corrupção pelos agentes administrativos.

ALFREDO JOSÉ DE SOUSA É JUIZ-CONSELHEIRO, EX-PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS E DO CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO DA OLAF (ORGANIZAÇÃO DA LUTA ANTI-FRAUDE EUROPEIA). ACTUALMENTE, É O PROVEDOR DE JUSTIÇA.