Essa gordura retirava-lhe todo o encanto. Percebi então que aquele inestético ‘pneu’ era provocado pelo cós demasiado descaído das calças – que lhe pressionava o ventre, evidenciando a gordura acumulada na zona da cintura.
É evidente que aquela mulher, se tivesse umas calças ‘normais’, mais subidas, teria uma silhueta muito mais elegante.
Um rapaz caminha na rua à minha frente de pernas completamente abertas, parecendo aqueles militares que marcham atirando os pés para os lados. Estranho o andar. Percebo a seguir que ele anda assim para as calças não lhe caírem. O rapaz usa-as abaixo do traseiro (tapado por uma t-shirt muito comprida), portanto num local do corpo onde as calças não têm sítio para se segurar.
De dez em dez passos o jovem puxa as calças para cima com as duas mãos, enquanto continua a andar de pernas muito abertas e com alguma dificuldade, porque o cós descaído prende-lhe completamente os movimentos.
Uma empregada de um café onde às vezes tomo a bica ao fim da tarde agacha-se para apanhar um papel do chão – e fica com parte das nádegas (e o fio dental) a descoberto. A rapariga certamente não se apercebe da figura que faz, nem eu posso obviamente dizer-lho sem parecer atrevido. A culpa é das calças – que, demasiado justas e abotoadas muito abaixo da cintura, se tornam indiscretas em certas situações.
Em crónica anterior falei de um facto absurdo do nosso tempo: venderem-se calças rotas impecavelmente novas. Ou seja, as empresas fabricam calças normais – e depois rompem-nas deliberadamente para terem um ar gasto, usado, vivido. Assim, as calças rotas são mais caras do que as outras – porque têm todo o trabalho que as outras têm, mais o trabalho de as romperem.
Aproximadamente em simultâneo com as calças rotas surgiram no mercado as calças com o cós descaído, ou seja, que não se apertam na cintura, apoiadas nas ancas, mas a meio dos quadris, num lugar indefinido onde não há nada que as segure no sítio.
Atrevo-me a dizer que esta invenção do cós descaído é ainda mais descabida do que a das calças rotas. Porque destas não resultava incómodo para o utilizador. Era estúpido usar calças rotas ‘de propósito’, mas o nonsense ficava por aí. Ora o cós descaído causa (suponho eu) a quem as usa uma incómoda sensação de andar com as calças a cair.
Não tendo eu a preocupação obsessiva de ‘estar à moda’, percebo as pessoas que a têm. Mulheres ou homens. E até percebo que para isso façam sacrifícios. Que se sacrifiquem para andar bem vestidas e parecerem mais elegantes. Compreendo, por exemplo, que as mulheres façam às vezes equilibrismo em cima de saltos altos – porque é indiscutível que os saltos altos tornam as pernas mais elegantes. Ou suem as estopinhas para vestir calças justas. Ou usem espartilhos para adelgaçar a silhueta.
Tudo isso percebo.
O que não percebo é as pessoas fazerem sacrifícios... para ficarem com pior aspecto. Ora é isso que acontece com os cós das calças descaídos.
O problema é mais grave em Portugal, porque os portugueses e as portuguesas em geral não são altos, muitas vezes são atarracados, têm pernas curtas. Assim, o que os beneficia é naturalmente tudo o que os faça mais esguios e torne as pernas mais altas. Ora as calças largas e descaídas produzem o efeito contrário: fazem as mulheres e os homens ainda mais atarracados.
E isto para não voltar a falar do inestético ‘pneu’.
Como se compreende que os criadores de moda não o vejam? Como se percebe que os clientes não se observem ao espelho e comprem roupa que os desfeia, que lhes realça os pontos fracos, que os torna deselegantes?
A moda fez-se para valorizar o aspecto ou para o prejudicar?
Durante décadas, as pessoas dividiam-se em duas categorias: aquelas que caprichavam em brilhar pela indumentária e as que preferiam a roupa confortável.
As primeiras tinham algum trabalho com isso. No campo feminino, salientavam-se as mulheres produzidas, de cabelo arranjado e unhas pintadas, saltos altos e saias curtas, roupa justa ao corpo desenhando a silhueta. Este tipo de mulher teve em Marilyn Monroe o seu arquétipo mais luminoso. Aos homens que gostavam de vestir bem e dar nas vistas dava-se o nome de dandies. Nos anos 50 usavam o cabelo penteado com brilhantina, bigode fino, chapéu e bengala na mão, fatos assertoados, sapatos de duas cores. Clark Gable fez este tipo de galã. Mas houve muitos outros exemplos.
Nos anos 60 verificou-se um movimento de contestação a estes paradigmas de beleza, rejeitando a mulher-objecto e o homem macho-conquistador, valorizando-se ao mesmo tempo o conforto e o lado prático da indumentária. O movimento hippie criou então roupas largueironas, ignorando deliberadamente as formas do corpo, divulgou os sapatos rasos (ou as sandálias), adoptou os cabelos descuidados.
A novidade dos tempos que correm é ver pessoas escravas da moda que usam roupa que lhes fica mal – e que ainda por cima é desconfortável e incómoda.
Isto é que não faz nenhum sentido.
Ser escrava ou escravo da moda para se valorizar, compreende-se. Rejeitar a moda em nome do lado prático e informal da vida, também se compreende. Mas ser-se escravo da moda para acentuar o ‘pneu’, para tornar as pernas mais curtas e a silhueta mais atarracada, para usar roupa que não se adapta ao corpo e dificulta o andar, isso é que não se percebe de todo.
Ou melhor: é sinal de um tempo que parece ter-se esgotado – e agora se compraz no absurdo, naquilo que não faz sentido à luz da lógica mais elementar. E as pessoas estão de tal modo anestesiadas que já não se dão conta disso – fazendo sacrifícios e gastando dinheiro para se apresentarem publicamente em tristes figuras.