quinta-feira, maio 01, 2008

1.º de Maio: A actualidade dos «Mártires de Chicago»

O artigo que a seguir se transcreve não foi retirado de nenhuma publicação de cariz político-partidária ou sindical mas da prestigiada revista católica missionária «Audácia», do mês de Maio, texto assinado pela Redacção.
Trata-se de uma publicação dos Missionários Combonianos (inspirados em Daniel Comboni) vocacionada para adolescentes e jovens.
Vale a pena ler o texto.


A realidade é que o mundo está cada vez mais dividido entre ricos (muito ricos) e pobres (muito pobres).
«Um dia o nosso silêncio será mais forte que as vozes que estrangulais hoje.» Foram palavras de August Spies, em 11 de Novembro de 1887, pouco antes de ser enforcado. Mas quem era esse Spies e porque falamos nele no século XXI? Porque foi morto e as suas palavras se tornaram tão importantes para o mundo? O que tem tudo isto a ver com o nosso texto sobre direitos humanos? É que foram profeticamente ditas quando Spies e outros trabalhadores foram condenados à morte por lutarem pelos seus direitos. Spies foi um dos protagonistas do episódio que ficou conhecido na história das lutas do proletariado como «Os Mártires de Chicago».
Esta é uma das razões por que se comemora o 1º de Maio. Não, não se trata de um feriado qualquer, mas de um marco sempre mais actual, quando os trabalhadores de todo o mundo sofrem com as prepotências de um patronato cada vez mais ávido de dinheiro e mais esquecido de valores morais e de justiça.
As origens do 1º de Maio remontam às propostas da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), que levou avante um dia de luta pelas oito horas de trabalho, num tempo em que era comum o trabalho de todos, incluindo grávidas e crianças, prolongar-se desde o nascer ao pôr do Sol. Era a jorna ou a jornada.
No que o poder considerou ser uma utopia, a AIT exigiu oito horas de trabalho, oito de lazer e oito de sono. Uma exigência que causou uma repressão violentíssima, com a prisão e a morte de muitos trabalhadores, tanto mais que, um pouco por todo o mundo, desde os EUA à Europa, passando pela Austrália, as vozes do proletariado fizeram-se ouvir.
Mas foi em Chicago que a violência assumiu foros de crueldade quando muitos manifestantes foram condenados à morte, uma condenação que foi anulada em 1893, com o reconhecimento do carácter político do julgamento. Muitos presos foram libertados, mas o terrorismo de Estado não tinha deixado de matar dezenas de trabalhadores.
Todavia, foi muitos anos mais tarde que as oito horas de trabalho ficaram consignadas em lei, um horário que, mais de um século depois, num mundo supostamente diferente e evoluído em progressos tecnológicos e que até permitem o aumento de produtividade, se mantém vigente.
Foi um horário que levou à luta e acabou por se tornar num símbolo para o sindicalismo. Mas, passados tantos anos, muitas razões subsistem para essa mesma luta, já que os direitos dos trabalhadores continuam a ser espezinhados por um capitalismo sempre mais feroz, por patrões que, em nome de um lucro fácil, colocam cada vez mais longe os interesses dos trabalhadores.
Diariamente sabemos de famílias que se encontram na miséria, porque os pais perderam os empregos, deixaram de poder pagar as casas e a alimentação, as escolas e os transportes. Abrimos os jornais, ligamos as televisões, e assistimos a verdadeiras paradas de «estrelas», enfeitadas com jóias, que se passeiam em grandes carros e exibem o dinheiro gasto à custa de trabalhadores que têm os ordenados em atraso ou até já foram dispensados.
Continuamos a ouvir os eufemismos de «remodelações» de firmas, que, em dois dias, são definitivamente fechadas. Falamos de pessoas que passam recibos verdes para levarem o seu salário, sem qualquer contrato de trabalho, ou daqueles que, sendo contratados, ao fim de algum tempo são despedidos para que o vínculo laboral não se torne definitivo, regressando ao posto de trabalho um mês depois, com novo contrato a prazo.
Há mais de um século, os trabalhadores lutaram pelas oito horas de trabalho. Hoje, diante de um patronato cada vez mais cego, a necessidade de dinheiro obriga muitos ao silêncio, outros até à traição e outros à revolta.
Os governos fazem leis que são cada vez menos cumpridas, leis avulsas, que servem os interesses económicos, e fala-se em globalização. Mas a realidade é que o mundo está mais dividido entre ricos (muito ricos) e pobres (muito pobres).
Tal como no século XIX, as grávidas continuam a trabalhar, as crianças são exploradas e as chamadas inspecções e fiscalizações só funcionam para alguns.
Por isso vos quisemos lembrar o significado do 1º de Maio, um dia de luta pela melhoria de condições de trabalho, um dia de luta pela igualdade. Porque não se trata de não querer trabalhar, trata-se de ter direito ao trabalho em condições de dignidade, sem que o homem seja explorado pelo homem, sem que as crianças percam o seu direito à infância, sem que as famílias sofram por falta de bens elementares como são a comida e a habitação. Mais de um século depois, as lutas parecem adormecidas, mas há sempre um tempo para acordar.