terça-feira, janeiro 29, 2008

Padre Mário de Oliveira escreve sobre a corrupção a propósito das declarações do bastonário da Ordem dos Advogados

Bastou o novo bastonário dos advogados dizer umas "bocas" a uma rádio sobre a escandalosa existência da corrupção em Portugal, inclusive ao nível dos órgãos mais altos que estão à frente do país, para que os do Poder político que a fomentam, praticam, dão-lhe cobertura e dela beneficiam - só os ingénuos é que ainda pensam que a multiplicação das leis que eles aprovam é para combater a corrupção; na verdade é para a promover, proteger e dar-lhe até um certo ar de legitimidade - saíssem a terreiro, como pudicas virgens ofendidas na sua honra, uns a exigirem que o bastonário divulgue nomes de corruptos, e os outros a jurarem a pés juntos, perante os microfones e as câmaras de televisão dos cúmplices e mudos jornalistas que as instituições oficiais funcionam e que a corrupção não existe, não senhor, é tudo um calunioso delírio do novo bastonário da Ordem dos Advogados, manifestamente descontrolado e sem tento na língua.
Mas digam-me uma coisa: Pode alguma vez haver Poder sem corrupção? O Poder, todo o Poder, não é corrupto por natureza? O Poder, todo o Poder, não é a própria corrupção em acção? Quando, em sociedade, aceitamos pacificamente a existência do Poder, não abrimos de par em par as portas à corrupção? O que pretende, então, o senhor bastonário dos advogados com a sua denúncia? Acabar com a corrupção e, consequentemente, com o Poder que a produz e protege? Ou, pelo contrário, pretende ganhar mais Poder, mais protagonismo pessoal e corporativo, entrar ainda mais na esfera do Poder e tirar daí ainda mais dividendos? Está zangado, porque há outros que levam fatias ainda maiores do que as dele e as dos que dão corpo à sua Ordem? Pretende alcançar uma maior fatia nos benefícios que o Poder, sempre corrupto, distribui aos que o servem? Como interpretar as suas palavras? Uma arrojada denúncia contra o Poder e contra a corrupção que ele sempre produz, e que lhe pode vir a custar a própria vida? Desencadear no país uma salutar Insurreição das populações? Despoletar um levantamento nacional contra a corrupção institucionalizada e, por isso, contra o Poder e contra toda essa imensa minoria dos privilégios que é estruturalmente corrupta e vive da corrupção que o Poder é e sempre proporciona a quem o serve?
Será que inesperadamente o senhor bastonário decidiu fazer-se pobre por opção, converter-se, mudar de campo, de Deus, tornar-se homem, simplesmente? Ou, pelo contrário, está manifestamente assanhado, porque há outros que "comem" muito mais do que ele e os da sua Ordem e ele quer que haja mais "justiça" na distribuição dos despojos da corrupção entre a imensa minoria dos privilegiados que servem o Poder e os grandes interesses dos grandes poderosos?
Quem não sabe que os advogados - há honrosas excepções e mesmo essas só em alguns casos - acabam por estar todos, uns mais outros menos, com destaque para aqueles que sobem na vida, fazem fortunas, ganham temido nome na praça, no burgo, ao serviço dos poderosos, dos grandes grupos económicos e financeiros, são altamente financiados para defender a grande corrupção, mafiosamente organizada?
Pode um advogado fazer fortuna, se passar a sua vida profissional a defender as causas do Pobre, da Vítima, do Oprimido, do Órfão e da Viúva? Não terá de ser, neste caso, um profissional quase missionário, mais profeta do que advogado, pobre por opção e por toda a vida? Aceitar fortunas para ir defender em Tribunal causas que se sabem à partida indefensáveis, perante a Verdade e a Justiça, não é ser corrupto, fazer o jogo da corrupção, trair o Pobre, a Vítima, o Pequeno, a Viúva, o Órfão, o Oprimido? E não é o que mais se faz por aí, no país, na Europa e no mundo? O que pretende então o senhor bastonário dos advogados com as suas declarações? E o que pretendem os que saíram logo a terreiro, a apoiar ou a protestar? Não pretendem, ele e eles, que tudo fique na mesma, ou ainda pior?
Vem aí, de tudo isto, algum benefício para as vítimas da justiça sem Justiça, que os Tribunais diariamente cometem? Ora, se não é para acabar com o Poder, o pai de toda a corrupção, saibam as populações do país que as declarações do bastonário dos advogados nem sequer uma pedrada no charco são. São fonte de mais e mais corrupção, essa mesma que compra tudo e todos, só precisa de saber qual o preço que tem de pagar para poder prosseguir o seu reinado. A corrupção hoje é de tal ordem, que já nem conseguimos conceber uma sociedade sem corrupção. O objectivo dos menos corruptos já não é acabar com a corrupção, mas que a corrupção seja um pouco mais controlada, não ande tão à rédea solta como hoje já acontece, e não se pratique tão às escâncaras.
Mas desde que o Dinheiro passou a Grande Dinheiro e está aí cientificamente organizado segundo as suas próprias leis, sem qualquer controlo por parte da Política, que hoje até deixou de existir, para se converter em Poder, o chamado Poder político organizado no Estado, inclusive sob a forma de Oposição, a Corrupção passou a andar também à solta e pratica-se por aí às escâncaras, sem qualquer pudor, protegida por capangas sem escrúpulos, para lá das leis, das Polícias, dos Tribunais e dos militares formados e acantonados nos quartéis. Soldados ao lado do povo, prontos a proteger as vítimas dos grandes poderosos e dos grandes ricos, foi sol de pouca dura, depois do 25 de Abril de 1974,em Portugal. Porque depressa veio o 25 de Novembro de 1975 restabelecer a velha Ordem do Poder e abrir avenidas cada vez mais largas ao Grande Dinheiro e ao Grande Poder que hoje estão aí ambos à rédea solta. E saibam que o que hoje nos é dado ver e sofrer ainda é só o começo das dores. Porque o Grande Dinheiro e o Grande Poder, se não forem depressa decapitados pelos povos, devoram tudo o que virem mexer diante deles. Até devoram os seus próprios servidores, os seus próprios beneficiários. Comem-lhes a identidade. Sugam-lhes o sangue. São a Grande Besta apocalíptica do século XXI, e está tudo dito. Quando ambos, como um só, conseguirem implantar o seu próprio Executivo à escala mundial - é a globalização do Grande Dinheiro e do Grande Poder, em todo o seu despudor - deixará de haver lugar para os seres humanos, todos reduzidos a autómatos e a idólatras.
É isso que queremos?! "Tende cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes". A advertência política, oportuníssima, é de Jesus, o dos Evangelhos Sinópticos. Tem quase dois mil anos, mas continua por acolher e praticar. É uma sábia advertência que valoriza a Política e que alerta os povos para os mortais perigos do Poder, nomeadamente, do Grande Poder, sempre corrupto e fonte de grande corrupção. É óbvio que o fermento a que se refere Jesus é a ideologia do Grande Poder que é perito em fazer leis para se auto-proteger, a pretexto de proteger as pessoas e os povos. Protege-se a si próprio e às suas minorias privilegiadas contra as pessoas e os povos. É uma ideologia mentirosa e assassina. Jesus percebeu melhor do que ninguém que quanto mais leis, mais corrupção, porque mais Poder. Quanto mais Poder, mais leis e por isso também mais corrupção. Lá onde se multiplicam as leis, diminuem os seres humanos íntegros, livres, responsáveis, autónomos. Multiplicam-se os escravos, os súbditos, os corruptos, os infractores, os chico-espertos. Os pequenos corruptos são sempre apanhados nas malhas das leis e logo castigados. Os grandes corruptos constituem os Executivos das nações, são deputados, são administradores de grandes empresas, de transnacionais, de bancos, de Igrejas e de Religiões. Integram a imensa minoria dos privilégios, essa mesma que oprime as maiorias e as mantém sob o jogo das suas leis e dos seus tribunais. E, quando, excepcionalmente, algum dos grandes calha de cair em apuros, lá estão os advogados de renome para o defender em troca de grandes somas de dinheiro, peritos que são em levar as leis a dizerem o contrário do que nelas está escrito.
Avisados andarão, pois, os povos e os seus intelectuais orgânicos - ainda há exemplares desta espécie hoje em franca extinção?! - se tiverem em linha de conta o alerta político de Jesus: "Tende cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes", isto é, a imensa minoria dos privilegiados que fazem / aprovam / executam as leis e dão corpo ao Poder político - juízes, chefes militares e de polícia, deputados e sobretudo os Executivos das nações, quer os actuais Sócrates ainda em exercício, quer todos aqueles que já se preparam para lhes suceder, quando aqueles passarem a ser sucata do Poder, como outros tantos obsoletos computadores. Sem nos esquecermos, é claro, de incluir nessa minoria também os advogados, pelo menos, aqueles que fazem fortuna no exercício da advocacia, sinal inequívoco de que não defendem as causas do Pobre, do Órfão e da Viúva, mas as dos grandes corruptos. Novos fariseus e novos Herodes é o que hoje não faltam por aí. Esta é, por isso, uma Hora difícil para os povos do mundo, porque até os que deveriam ser suas sentinelas estão cada vez mais feitos com o Grande Dinheiro e o Grande Poder. Fecham os olhos aos grandes crimes e á Grande Corrupção. E as bocas. Ou então falam e apontam, mas para ganharem mais protagonismo, mais adeptos e subirem na carreira e na sua conta bancária. Têm de ser os próprios povos a estar vigilantes, de olhos abertos. Fixem esta regra de libertação, que decorre daquela sábia e oportuna advertência política de Jesus: Lá, onde houver riqueza acumulada e concentrada e Poder a crescer, saibam que o fermento, a ideologia que esses seres humanos respiram é de corrupção e de opressão. Nem que pareçam solidários, são lobos disfarçados de cordeiros. Não podemos confiar-lhes nunca as nossas causas. Sempre acabarão a entender-se uns com os outros contra nós, os pobres e os povos. Dos novos fariseus e dos novos Herodes só vem desgraça para os povos. Deixemos então de confiar a eles as nossas causas.
Organizemo-nos pobres com pobres, povos com povos. E conspiremos cada vez mais em novas clandestinidades. Porque só assim resistiremos e seremos Futuro, como povos livres e responsáveis, protagonistas da História. Saibam que não é fácil. Mas alguma vez foi fácil ser-se mulher, homem, povo?
Padre Mário de Oliveira