Natal dos Simples - Zeca Afonso
VEM AÍ O NATAL!
Vem aí o Natal!
Que frio instável se instalou nos meus ossos!
Os músculos pretendem dormir,
Acomodados que andam pela digestão do sal enfartado.
E, constantemente, estremecem
Com o cintilar das lâmpadas do presépio.
Mais uma vez, a periclitante soberba dos gostos
Esfomeia-se de açúcar e álcool nas veias.
- Quem dorme, hoje, nesta planície de neve?
As mães desgraçam-se na correria louca das superfícies;
O Pai Natal é filho de uma besta.
Os putos não sabem mas são
As lâmpadas fundidas sobre as alcatifas dos anos 70.
Na minha infância havia, também, missa do galo –
E, como todas as pessoas da aldeia, raramente faltava ao preceito.
Isto, de facto, de misturar o vinho do povo com os missais da Leitura
É como o azevinho dos altares zelados pelas avós,
Que honram as formas clássicas da Palavra,
Que quer-se dócil, insubmissa e nossa Mãe.
E olho para ti, Menino Jesus, e digo:
Ficarei, aqui, só, contigo, a noite inteira –
Até à hora alva da Humanidade.
Apenas,
Senhor, Meu Deus, para Te ver nascer.
in "Sem Síntese De Mim"
JOSÉ CARLOS PEREIRA