A emoção é um factor político decisivo
O editor do Diário de Felgueiras foi contactado por uma pessoa ligada a Caldas Afonso sobre o comentário que fez neste blogue a propósito do processo-crime movido pelo principal vereador da oposição, do PSD, a Eduardo Teixeira, vice-presidente da Concelhia laranja e n.º 2 da bancada social-democrata na AM, por alegada difamação.
Essa pessoa, que pediu o anonimato, comunicou-nos a discordância de Caldas Afonso em relação à opinião publicada, acrescentando que a suposta difamação é mais grave do que possamos pensar. Não revelamos aqui os pormenores das alegadas ofensas (verbais), que nos foram transmitidas por essa pessoa, porque o processo encontra-se em fase de segredo de Justiça.
No entanto, permitam-nos dizer que, se assim se passou, então o nosso comentário ainda mais sentido faz! A situação no PSD local, a vésperas de eleições internas, passa a ser ainda mais grave do que aquela que retratámos no nosso primeiro texto. É a situação de um moribundo; o retrato bíblico do homem que mata o próprio irmão (no caso, “irmãos” históricos do mesmo partido).
Esta situação afigura-se deveras preocupante, tanto para o interior do PSD, como também para a pouca democracia em Felgueiras – a pouca que nos resta! –, num concelho onde, infelizmente, há um grande défice democrático e cultural e onde se instalou uma espécie de União Nacional pós-autárquicas 2005, partilhada entre dois pólos teoricamente opostos, mas que, na prática, mais não são do que seres coexistentes no mesmo habitat. E não venham explicar-se com o sofisma de uma “oposição consciente e construtiva”, que, em termos de prática política no dia-a-dia, mais não são do que vocábulos eufémicos de conluio político!
Face a esta realidade, o PSD/Felgueiras está em contra-mão na auto-estrada do partido, desenhada pelo líder nacional, Marques Mendes, para as autárquicas de 2005, altura em que, com a devida verticalidade, definiu quais eram as balizas do partido e em que parte do terreno político essas balizas deveriam assentar. E foi coerente! E foi politicamente sério na sua atitude, tanto mais que se advinhavam os custos partidários para o PSD em dois importantes concelhos do país por essa posição frontal: Gondomar e Oeiras. Foi bastante lúcido Marques Mendes nessa sua estratégia de distanciamento em relação a Valentim e a Isaltino. E a história dar-lhe-á razão!...
O editor do Diário de Felgueiras, no seu primeiro comentário, nem neste, não pretendeu defender Eduardo Teixeira; objectivou lutar, isso sim, para que em Felgueiras o xadrez político existente – entre poder e oposição – seja um espaço de claras atitudes, para que a prática democrática, o sentido de cidadania e a responsabilização ética dos eleitos locais sejam realizadas com o mínimo sentido de humanismo político, precisamente, o mesmo que leva milhares de pessoas no dia das urnas a acreditarem que o seu gesto é incumbido de uma missão – desenvolver o concelho, projectá-lo para o futuro!
O editor do Diário de Felgueiras, pessoalmente, dispensa os partidos e foge deles como o diabo da cruz, mas, a existirem como existem na actual realidade democrática, tem por objectivo pugnar para que essas instituições façam o seu papel, cada uma, da forma mais distinta que as demais. Falaríamos de igual modo se o PSD ou PS fossem poder em Felgueiras.
Mário Soares diz que a democracia é feita de contradições entre os seus protagonistas. Porque a liberdade e a democracia não se dão; conquistam-se no dia-a-dia e no longo caminhar da história. E é, precisamente, este o sentido do humanismo e da ética pelo qual todos os políticos felgueirenses deveriam reger-se. Se assim não for, então temos que reimplantar o regime democrático em Portugal, substitui-lo por uma democracia avançada em relação ao tempo histórico em que vivemos. E o drama do ser humano, enquanto animal político (na perspectiva aristotélica), é que quase sempre o tempo histórico não coincide com o tempo de vida das pessoas, que é curto por mais que dure.
A querela entre Caldas Afonso e Eduardo Teixeira não é pessoal; é, acima de tudo, um episódio político, mesmo que negativo. É indiscutível que aquilo que está na origem da discórdia prende-se com a profunda divisão no PSD local quanto à estratégia do partido enquanto oposição à maioria política liderada por Fátima Felgueiras. Se não fosse por tal motivo, Caldas e Eduardo andariam na paz política dos anjos. Podemos estar redondamente enganados, mas é desta forma que vemos o cerne da zanga, com toda a honestidade, imparcialidade e sentido de participação democrática para a felicidade da nossa polis.
Porque o processo se encontra em fase de segredo de Justiça, não quisemos perguntar se Caldas Afonso vai recorrer à sua condição de vereador para processar Eduardo Teixeira, ou seja, a expensas da autarquia, como prevê uma deliberação camarária genérica recentemente aprovada em reunião do Executivo, que, sendo uma faculdade perfeitamente legal, permite que tais acções judiciais possam ser suportadas pelo erário municipal, com direito à escolha do advogado que se prefere. Só que a política não tem os sentimentos da Justiça. Infelizmente, esta não julga propriamente os factos, mas as provas. Por outro lado, a política é um mundo diferente, em que na base está a emoção – a mãe de todos factos do mundo animal, inclusive os políticos! Não há uma política verdadeira sem afectos.
Portanto, a condição de Caldas enquanto vereador, sendo permitida por lei, não é permitida pela emoção - a emoção de um socia-democrata conta outro social-democrata. E Caldas Afonso, homem da Ciência, sabe isso; já terá lido “O Sentimento de Si”, magnífico livro do seu colega António Damásio, outro homem da Ciência.
A referida deliberação camarária prevê, de facto, que os autarcas se possam socorrer do órgão para o qual foram eleitos para processarem quem consideram que os ofendeu. Porém, tal procedimento, mesmo que lícito, pode ser visto pelo comum dos mortais como um instrumento voluntarioso de fácil argumentação na defesa de interesses partidários, melhor dizendo, uma tentativa de se matar todas críticas políticas logo à nascença, mesmo as mais fúteis, para além do caso das divergências dentro do PSD quanto à estratégia política para o concelho, que não é uma polémica fútil.
Como tal, há que regular o que é "processável" ou não, para se evitar que, eventualmente, alguém seja chamado ao Ministério Público por "dá cá aquela palha". Os deputados da Assembleia Municipal deviam exigir a constituição de uma comissão jurídica municipal para o efeito, na qual tivessem assento representantes da Câmara e da AM, para se prevenir, num futuro próximo ou longuínquo, uma eventual vulgarização dos procedimentos. Em todo o caso, sinceramente, não acreditamos que venha aí uma indústria de processos-crime. Porque quem paga os procedimentos somos todos nós! Em caso de arquivamento das queixas ou de absolvição dos arguidos, deviam ser os queixosos a suportar os custos.
No caso de Caldas Afonso, se se socorrer da Câmara Municipal para processar um companheiro de velhas lutas partidárias, tal gesto será visto, por quem está do lado de fora da questão, como uma transferência de questões internas do partido para o município, que já tem problemas que lhe cheguem.
E, recorrendo novamente à gostosa leitura de António Damásio, a emoção – mãe de todos os factos – poderá vencerá a razão da Justiça. O julgamento que o povo faz nas urnas não se baseia na lei, mas, precisamente, na emoção. Foi o que aconteceu em Felgueiras em 5 de Outubro de 2005, dia últimas eleições autárquicas em que, para nosso bem ou para nosso mal, o eleitorado colocou no poder o movimento "Sempre Presente".
Os partidos da oposição em Felgueiras não deverão mais descurar a emoção como um factor político decisivo.