sábado, março 24, 2007

Estudantes do ESTGF celebraram Zeca Afonso

José Carlos Pereira falou de José Afonso,
em representação da AJA (Núcleo do Norte)



Actuação do Grupo de Fados do ESTGF


Actuação da banda "Pé de Feijão", de Guimarães.


Auditório repleto, com gente jovem.








Os estudantes da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras (ESTGF) levaram a efeito, na noite de quinta-feira, no auditório da escola, um tributo de celebração à obra de José Afonso, evento no qual foi lembrado, também, Adriano Correia de Oliveira.



O auditório, com capacidade para cem pessoas, estava repleto. O Grupo de Fados do ESTGF encarregou-se de tocar e cantar temas das duas primeiras das quatro fases musicais de Zeca Afonso. Cantaram ainda temas de Adriano e tocaram Carlos Paredes.



Actuou ainda a banda musical “Pé de Feijão”, de Guimarães, que, com mistura de sons tradicionais e eléctrónicos, e apresentando versões originais de temas de Zeca, se reportaram a uma “viagem” musical do cantor/compositor pelas terceira e quatro fases da sua obra.



O Núcleo do Norte da Associação José Afonso (AJA Norte) fez-se representar por José Carlos Pereira que disse, em síntese:



"O Menino do Bairro Negro anda por aí!..."




Começo por agradecer à Associação de Estudantes desta escola pelo convite formulado ao Núcleo do Norte da Associação José Afonso (AJA Norte), entidade que estou aqui a representar por incumbência dos meus companheiros do núcleo, neste singelo mas justo tributo a José Afonso, não esquecendo, também, Adriano Correia de Oliveira.



José Afonso é uma figura excepcional da história de Portugal. Porque José Afonso era um homem bom, um homem generoso, humilde mas genial, que sonhou e lutou, num período negro da nossa história, por um país mais justo e mais fraterno. O Zeca, tal como o Adriano, emprestou sempre a sua intervenção cívica a todos os desventurados do mundo, ao lado dos oprimidos, dos presos políticos e dos que nunca têm voz e vez para decidirem sobre o seu destino.



Há 40 anos, não era possível haver uma associação de estudantes ou outra associação qualquer de forma livre como esta, genuína e espontânea, porque o Estado Novo não permitia organizações que não estivessem sob o controlo do regime. Um regime que brutalizou, prendeu e matou pessoas pelo simples facto de terem opinião e quererem um mundo melhor, mais humano.



À entrada para este auditório, um estudante perguntou-me, de viva voz, se o Zeca Afonso era comunista. O que vos posso dizer é que o assunto não se pode colocar nesses termos. O Zeca não tinha partido nem nunca perfilhou um regime político; era uma pessoa incontornável, procurava que a sua intervenção cívica fosse feita fora de uma perspectiva de possibilidade de se ascender ao poder. E o Zeca não procurou o poder, porquanto sabia que o poder tem sempre algo de pejorativo, de nefasto, que corrompe as verdades, e que tal é incompatível com a sua mensagem, a sua obra genial.



Como disse Francisco Fanhais, o Zeca era o mais cristão de todos os seus amigos ateus. Não numa perspectiva de um Cristo eclesiástico e institucional, mas um Cristo com fome e sede de justiça. Mas, continuo a dizer, não vamos catalogar José Afonso ou dar-lhe uma roupagem para nosso conforto. Vamos deixá-lo como ele é: um homem politicamente empenhado, com afecto, onde predomina o factor humano. E, acima de tudo, um homem livre! Tal como Jean-Paul Sartre nos diz: “O homem está condenado a ser livre”. E o nosso Zeca não cumpria normas ou leis.



Tudo isto não quer dizer que as pessoas que pertencem a um partido – seja a um partido comunista ou não – não sejam livres, honestas e sinceras, úteis e generosas. O Adriano Correia de Oliveira era militante comunista. E foi um bom militante comunista, generoso e sincero, sem nunca perder o seu espírito autocrítico.



Na minha qualidade de sócio da Associação José Afonso (AJA), fundada a 18 de Novembro de 1987, só vos posso dizer que esta agremiação encontra-se em franco reconhecimento por parte dos cidadãos quanto ao seu principal objectivo, que é levar a mensagem que nos foi legada pela vida e obra de José Afonso, exactamente tais como elas foram e são. A AJA não é um partido político, embora, obviamente, como em todas as associações, nela haja sócios pessoas de várias sensibilidades políticas, particularmente assumidas. No entanto, com isto, não estou a dizer que a AJA se exclui do seu papel de colectividade politicamente empenhada. Não, senhores. É, precisamente, o contrário. A AJA prima por uma política cultural contra todas as formas de servidão. Mas, quanto a este capítulo, estou apenas a falar da minha experiência de associado.




No que respeita ao Núcleo do Norte da associação, e falando agora como seu representante neste evento, ele surgiu em Outubro de 2005, num quadro de boas vontades por parte de sócios da AJA. Estamos disponíveis para apoiar todas as iniciativas deste género, apoiando e fazendo parcerias com entidades idóneas para tal. Iniciativas das quais não haja aproveitamentos em relação à pessoa de José Afonso e da associação para fins não previstos nos nossos estatutos, os quais tentamos respeitar ao máximo. Temos predilecção pelo associativismo genuíno, como é o vosso caso. É dentro deste espírito que estamos dispostos a colaborar. Contem connosco!




Tudo isto, meus amigos, porque José Afonso é uma voz cada vez mais actual; não apenas um homem que combateu o Estado Novo. A sua mensagem, hoje, apela à participação de todos os cidadãos nas decisões colectivas. Há 40 anos, o associativismo não existia, porque não era livre; hoje, existe mas é preciso incentivá-lo, porque tem conhecido muitos entraves, muitas vezes pelos próprios dirigentes, para que nada se faça ou para que em nada se mexa. Devia haver mais associações de grupos de cidadãos com a percepção do que deve ser a verdadeira cidadania. Associações sobre o Ambiente, os Direitos Humanos, sobre a Água, etc… etc…, para a ampla participação dos cidadãos nas decisões.




Quero alertar-vos que, hoje, surgem métodos comparáveis aos do Estado Novo. E o menino do bairro negro anda por aí!... O menino do bairro negro anda por aí!!... O menino do bairro negro anda por aí com tanto desemprego, com tanta perda de poder de compra dos portugueses, com a crescente perda de direitos sociais e com o ataque sistemático ao apoio a doentes crónicos.




Referindo-me propriamente aos métodos do Estado Novo actualmente existentes na nossa sociedade, veja-se, por exemplo, o caso dos voos da CIA por Portugal, demonstrativo da subserviência de Portugal em relação aos que se regozijam em promover a violação dos Direitos Humanos. Cidadãos arbitrariamente suspeitos são raptados e levados para serem torturados. Ana Gomes esteve sozinha no seu aparelho partidário sobre este assunto e até foi considerada psiquicamente doente. É que Portugal teve sempre problemas em constituir os poderosos como arguidos. A Itália, neste caso, não teve problema algum; vai levar a tribunal os agentes da CIA envolvidos.




Outro exemplo dos métodos persecutórios ao dispor do actual Estado português é o anunciado regime de classificações na Função Pública. Um funcionário com duas classificações negativas em dois anos poderá ser despedido e nem sequer lhe será dada a possibilidade de pedir a reclassificação profissional, como ainda prevê a lei. De facto, estamos perante um instrumento poderoso para calar vozes incómodas na Administração Pública e Local.




Não tenhamos dúvidas, que homens como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Mário Branco, Francisco Fanhais, Sérgio Godinho e toda esta geração de cantores são cada vez mais actuais, porque têm a capacidade da solidariedade em cada momento de dificuldade apresentada pela sociedade.




Por fim, o que é deveras lamentável é que homens como estes e muitos mais que sofreram as várias brutalidades do regime anterior ao 25 de Abril, hoje, estejam a ser tão mal homenageados pela acção nefasta dos que, infelizmente, hoje, governam este país.