Três semanas antes do 25 de Abril, Marcello fora ovacionado no Estádio de Alvalade por mais de 50 mil pessoas; no dia do golpe de Estado foi humilhado no Largo do Carmo por uma enorme multidão em fúria. É um bom exemplo do qual os políticos actuais deverão tirar a devida lição, pois a popularidade é um fenómeno obscuro.
Marcello Caetano (1906-1980), o último Presidente do Conselho de Ministros do Estado Novo (1926-1974), nasceu faz hoje 100 anos. Com destinos diferentes, nasceu no ano em que Humberto Delgado e D. António Ferreira Gomes vieram ao mundo.
A efeméride é assunto de primeira página da edição de hoje do jornal “Público”, que dedica seis páginas ao assunto, inclusive um excelente ensaio de Vasco Pulido Valente.
Mais uma vez, pela leitura deste trabalho exaustivo, fica impressa a grande envergadura intelectual de Marcello a nível académico; em termos políticos, foi de uma grande ingenuidade e de grande falta de coragem, causa de sucessivos falhanços, não tendo demonstrado a capacidade e o querer suficientes para pôr fim à ditadura, não obstante o carácter reformista da sua governação. Por exemplo, não usou enfrentar Américo Thomaz para ser ele o candidato à Presidência da República, preterir o almirante e escolher um Governo portador de reformas mais apressadas, rumo à Liberdade.
Para além das suas inúmeras fraquezas políticas, e não obstante ser um humanista à sua maneira – como brilhante intelectual que era –, Caeteno tinha também as suas manchas no aspecto da sua personalidade moral, que contrastava com a imagem de homem impoluto: no dia 25 de Abril de 1974, se não lhe tivesse faltado apoio militar, não se teria importado que milhares de populares que se juntaram no Largo do Carmo, em frente ao Quartel da GNR, fossem massacrados, num autêntico banho de sangue, por duas colunas da GNR, vindas de dois pontos diferentes daquela zona da cidade e que se cruzariam nos acessos ao referido Largo. Para quem tinha tanto medo da ala conservadora do regime e para quem prometia reformas políticas!… Nem sempre a timidez é sinal de uma espécie de bonomia cristã.
É inegável que Marcello Caetano, no aspecto das reformas empreendidas, até melhorou o país - por um lado, graças à conjuntura de então, mas que soube aproveitar, o que não aconteceria com Salazar, se então fosse vivo. No entanto, temos que reconhecer que o 25 de Abril era, foi, inevitável, porque Marcello chegou tarde demais ao poder. Há quem alegue que não, que a transmissão de poderes poderia ter-se dado mais tarde, apontando o exemplo espanhol. Só que Espanha tivera uma amarga experiência - a Guerra Civil, muitos anos antes, é certo, mas ainda dentro do periódo em que Franco ocupou o poder, que, como se sabe, acabou por transmiti-lo pacificamente para um regime democrático, dois anos após o 25 de Abril português.
Marcello Caetano, no seu exílio, no Brasil, não quis regressar a Portugal, nem depois de morto. Nos seis anos de vida que lhe restaram depois da Revolução, numa atitude que contrasta com a sua posição de intelectual, disse "mundos e fundos" de todos os políticos portugueses - da Esquerda à Direita -, excepto do Diogo [Freitas do Amaral], de quem foi professor. Nunca dirigiu um requerimento às autoridades portuguesas; apenas enviou uma missiva a António Spínola a agradecer-lhe por lhe ter dado o "privilégio do exílio". Não quis humildar-se aos Capitães de Abril, principalmente a Salgueiro Maia, que foram quem, na verdade, tudo fizeram para que Caetano saisse vivo do Quartel do Carmo, face à fúria dos milhares de populares.
No meio de tudo isto, veja-se um fenómeno curioso: três semanas antes do 25 de Abril, Marcello fora ovacionado no Estádio de Alvalade por mais de 50 mil pessoas; no dia do golpe de Estado foi humilhado no Largo do Carmo por uma enorme multidão. É um bom exemplo do qual os políticos actuais deverão tirar a devida lição, pois a popularidade é um fenómeno obscuro.
Hoje, por volta das 22,45 horas, Ana Maria Caetano, filha de Marcello, é a convidada do programa da RTP1 “Grande Entrevista”, de Judite de Sousa.