sexta-feira, julho 28, 2006

A participação da autarquia com capital minoritário numa SA é ilegal, segundo a nova legislação

Opinião
José Carlos Pereira
Vai, hoje, a discussão e a votação, na Assembleia Municipal (AM), em sessão extraordinária, entre os vários pontos que constam na ordem de trabalhos, a proposta da Câmara Municipal (CM), apresentada pelo movimento “Sempre Presente” (SP) e acolhida de bom agrado pelos dois vereadores do PSD, para a autorização da participação da edilidade numa sociedade anónima (SA), com a maioria (entre 80 a 90%) de capitais privados, com vista à gestão do ordenamento e comercialização do espaço da Zona Empresarial de Várzea, que, se não estou em erro, tem apenas uma área de 18 mil metros quadrados. Segundo a proposta constante na deliberação camarária, que já foi distribuída por todos os membros da AM, a participação do capital da autarquia, se a proposta for aprovada, será de 10% apenas e, o quanto muito, poderá ir até a 20%. Nada mais!
A proposta, a meu ver, está ferida na sua sustentabilidade legal. Quando for alterada a lei sobre as empresas de âmbito municipal, que entrará em vigor em Janeiro, esta proposta, se for aprovada, acabará por cair por terra. Há uma incongruência do ponto de vista jurídico. Na minha opinião, a Zona Empresarial de Várzea, irá ter o mesmo destino da OIF – Ordenamento Industrial de Felgueiras, que, se bem se lembram, foi aprovada há cerca de uma década, e não passou de meras intenções.
Quanto à legislação em vigor, há quem sustente que a actual legislação é peremptória em não aprovar a participação das autarquias em empresas quando não tenham a maioria do capital social nessas empresas. Da minha parte, reconheço que a matéria é ambígua e, como tal, impõe-se uma alteração à lei, para melhor clarificação da matéria. Por outro lado, a alteração que aí vem vai mexer também com a matéria das SA, e vai ser reforçada a disposição legal que proíbe a participação das autarquias em empresas onde não tenham a maioria do capital.
Assim sendo, não faz sentido que a proposta vá hoje a votação na AM, porque, daqui a meses, com a nova legislação, a SA para a Zona Empresarial de Várzea vai cair por terra, quanto ao seu aspecto legal. A legislação não contemplará apenas as empresas meramente do município, mas, também, as em que as CM têm participação em empresas privadas. Seria melhor que a proposta fosse apresentada depois da aprovação da nova legislação, na Assembleia da República, sob pena de ter que se revogar, depois, o que agora se quer aprovar, com as despesas onerosas que tal facto poderá acarretar para o município.
Como já referi, no caso desta sociedade anónima (SA) a participação da CM no capital da empresa é diminuta – entre 10% a 20%, num capital social de apenas 50 mil euros!
Não é minha função tomar partido por nenhumos dos grupos partidários em discussão, mas, como cidadão, e depois de nos últimos dias ter testemunhado a preocupação de autarcas e cidadãos comuns sobre este assunto, decidi escrever este artigo de opinião, a fim de contribuir para um debate mais democrático e alargado.
Se formos ler a proposta camarária remetida para a AM – que foi aprovada, por maioria, com seis votos a favor, do SP e do PSD, e um voto contra, do vereador do PS, José Campos –, sustenta-se, em termos de legislaçã, o seguinte: “propõe-se que a Assembleia Municipal autorize, nos termos da alínea n) do artigo 13º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 28º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, da alínea a) do n.º 6 do artigo 64º e da alínea m) do n.º 2 do artigo 53º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, e do artigo 40º da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, o Município de Felgueiras a participar na criação da sociedade “PTT – Parque Tecnológico do Tâmega, SA”.
Ora bem, analisando bem o teor da legislação invocada, temos a referir que a mesma é demasiado vaga para a sustentabilidade da proposta. Se não, vejamos:
1.º - A alínea n) do artigo 13.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, apenas diz o seguinte: “Promoção do desenvolvimento”;
2.º - A alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º da mesma Lei refere: “Criar ou participar em empresas municipais e intermunicipais, sociedades e associações de desenvolvimento regional” (esta alínea remete-nos para alínea c) do n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 58/98, que a CM ocultou na proposta, alínea sobre a qual, mais à frente, irei falar);
3.º - A alínea a) do n.º 6 do artigo 64.º da Lei 169/99, de 18 de Setembro (competências da AM), considera: “6 - Compete à câmara municipal, no que respeita às suas relações com outros órgãos autárquicos: a) Apresentar à assembleia municipal propostas e pedidos de autorização, designadamente em relação às matérias constantes dos nos 2 a 4 do artigo 53.º” ;
4.º - A alínea m) do n.º 2 do artigo 53.º da mesma Lei prevê: “Autorizar o município, nos termos da lei (Lei n.º 58/98), a integrar-se em associações e federações de municípios, a associar-se com outras entidades públicas, privadas ou cooperativas e a criar ou participar em empresas privadas de âmbito municipal que prossigam fins de reconhecido interesse público local e se contenham dentro das atribuições cometidas aos municípios, em quaisquer dos casos fixando as condições gerais dessa participação";
5.º - O artigo 40.º (Participação em empresas privadas) da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto (Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais), estipula: “Os municípios, as associações de municípios e as regiões administrativas podem participar nos termos do disposto do n.º 2 do artigo 1.º, no capital das empresas privadas”.
6.º - Remetidos para do referido n.º 2 do artigo 1.º, o mesmo refere que as câmaras municipais “podem criar, nos termos do presente diploma, empresas de âmbito municipal, intermunicipal ou regional, doravante denominadas empresas, para exploração de actividades que prossigam fins de reconhecido interesse público cujo objecto se contenha no âmbito das respectivas atribuições”.
7.º - A proposta aparece aos deputados municipais amputada, pois não se faz referência a um ponto muito importante: o já citado n.º 3.º do artigo 1.º da Lei n.º 58/98, que enumera três tipos de empresas de âmbito municipal. A alínea c), embora de forma não muito clara, fala na posse maioritária do capital, por parte das câmaras municipais, nas empresas privadas. Porém, a nova legislação vai ser mais clara e vai proibir, de uma vez por todas, que estas SA, com capitais maioritário. (1) - Ver errata:
No que concerne ao novo Regime Jurídico do Sector Empresarial Local, o mesmo, no ponto 2 seu artigo 2.º, refere: “As sociedades comerciais controladas conjuntamente por diversas entidades públicas integram-se no sector empresarial da entidade que, no conjunto das participações do sector público, seja titular da maior participação”.
Como já vimos, a participação da Câmara de Felgueiras na SA é de entre 10% a 20%. Na parte final do artigo 5.º., pode ler-se: “… sendo proibida a criação de empresas para o desenvolvimento de actividades de natureza administrativa ou intuito exclusivamente mercantil”, o que pode, neste último aspecto, ser o caso da SA supracitada.
Como vemos, algo ficou por esclarecer sobre a matéria que hoje vai a discussão na AM. Se for aprovada, deixará de fazer sentido, em Janeiro, por força da nova legislação. Depois, poderemos a assistir a indemnizações da Câmara a accionistas da SA e a proprietários de terrenos, se não for dada a finalidade destes invocada no acto da expropriação.
Poderemos estar perante um imbróglio à vista.
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Errata: "Porém a nova legislação vai ser mais clara e vai proibir, de uma vez por todas que estas SA, com capital maioritário privado, sejam integradas pelas autarquias. Estas têm que deter a maior parte do capital social - é isso que a legislação impõe.
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Adenda: Segundo um jurista, que tomou a iniciativa de nos telefonar após ter lido este artigo de opinião, a citada Lei n.º 58/98 obriga que, na proposta dirigida à Assembleia Municipal, seja anexada a documentação respeitante ao funcionamento interno da SA, inclusive o projecto dos estatutos, e sobre as formas sua gestão. O certo é que, nestes momento, a referida empresa ainda não terá definido toda a metodologia interna.