Inácio Lemos (*),
in "Expresso de Felgueiras", 7 de Julho de 2006
"(...) A perversidade política reinante em Felgueiras é tão grave e condenável como as declarações do autarca Fernando Ruas. A democracia está em risco e o poder político está doente. Realizar reuniões preparatórias da Assembleia Municipal, promovidas e orientadas pelo Movimento Sempre Presente, onde fizeram parte todas as forças políticas representadas no executivo municipal, é um acto de pura tirania, iníquo e demonstrativo de que os limites do bom senso e de cidadania foram ultrapassados (...)"
AUTARCAS
Existem duas palavras que definem a grande maioria das autarquias portuguesas: poder e impunidade. E foi à sombra delas, e do que elas significam, que o País cresceu de forma desordenada.
As autarquias, proclamadas como uma das grandes conquistas da democracia, acabaram por se tornar numa fábrica de caciques locais. Os autarcas não gostam de críticas. Quando lhes apontam vulnerabilidades partem sempre para a arrogância, perseguem e tentam justificar os seus actos com desculpas fáceis, imputando responsabilidade aos anteriores executivos ou apontando o dedo ás oposições e à comunicação social. É próprio do mundo em que vivemos aceitar ou refutar as críticas, não se pode é querer exterminá-las, como se tudo o que fazemos fosse perfeito, bacteriologicamente puro.
A sensação de intocáveis que paira sobre os autarcas permite reacções e atitudes antidemocráticas, demonstrativas de um poder sem regras, sem nobreza, arrogante e pretensioso. Nos últimos dias há exemplos disso mesmo.
O Presidente da Câmara Municipal de Viseu, também presidente da Associação Nacional de Municípios, incitou a população do seu concelho a “correr à pedrada” os fiscais do Ministério do Ambiente que andam a multar obras das juntas de freguesia. É grave que Fernando Ruas incite os munícipes à violência e até, explicitamente, à constituição de uma espécie de milícias populares. Mas mais grave do que isso é o que pressupões a afirmação do autarca. O autarca pensa e diz que os fiscais do ambiente são um obstáculo ao desenvolvimento, que não ajudam as freguesias, que não fazem nada, que só sabem multar. E assim apresentado o pensamento do autarca dos autarcas ficamos a saber que as preocupações ambientais são meros empecilhos ao progresso do povo. Fica bem evidente que ao autarca dos autarcas falta um pensamento e acção política de dimensão ambiental e por outro lado deixa a ideia que um eleito está acima da lei e que pode desrespeitar a lei em nome da legitimidade eleitoral.
Outro péssimo exemplo para a democracia que partilhamos foi os factos ocorridos durante a semana que antecedeu a última Assembleia Municipal em Felgueiras. A perversidade política reinante em Felgueiras é tão grave e condenável como as declarações do autarca Fernando Ruas. A democracia está em risco e o poder político está doente. Realizar reuniões preparatórias da Assembleia Municipal, promovidas e orientadas pelo Movimento Sempre Presente, onde fizeram parte todas as forças políticas representadas no executivo municipal, é um acto de pura tirania, iníquo e demonstrativo de que os limites do bom senso e de cidadania foram ultrapassados. Este tipo de comportamento e postura, típico de regimes caudilhescos, põe em causa a liberdade de expressão e de participação de alguns actores políticos, porque muitas vezes põem à frente os interesses das suas freguesias. Admira-me que este tipo de comportamento seja protagonizado por pessoas que reclamam pelos direitos e liberdade. Em Felgueiras têm que parar os comportamentos que evidenciam a ausência de regras de conduta democrática e o órgão por excelência que pode ser fiscalizador desses comportamentos e exigir respeito pelos direitos e liberdade de cada um é Assembleia Municipal.
Mais do que um inquérito, mais do que uma condenação pública, estes autarcas precisam de reciclagem.
(*) Militante do PS, ex-presidente da Comissão Política Concelhia do PS/Felgueiras.