terça-feira, julho 11, 2006

Editorial - Exercício perigoso para a democracia

Opinião - Editorial, por JCP
O que lemos neste recorte do “Expresso”, da edição do passado dia 1, não é surpresa para ninguém; é um fenómeno generalizado, contra o qual urge termos a coragem cívica para denunciá-lo, porque é, sem dúvida, uma autêntica sonegação da liberdade de expressão e, por conseguinte, a sonegação da democracia.
Sem pretendermos ferir susceptibilidades, já todos sabemos do que se trata: o controlo da imprensa (principalmente, a local) por parte dos poderes municipais. Publicidade e, em certos casos, trabalhos de tipografia têm sido uma das principais artimanhas para o controlo de publicações que se dizem jornalísticas, que disso pouco têm, porquanto acabam por se tornar “órgãos oficiais” dos poderes instituídos, mercê de compromissos duvidosos. Até Rui Rio, até à pouco tempo tido como autarca exemplar, impõe, agora, e como principal condição às colectividades por si subsidiadas, que estas assumam, antecipdamente, o compromisso de "cortesia" com a Câmara, ou seja, o compromisso de não a criticar publicamente, como quem diz "quem critica a Câmara a mim me critica".
No caso de Gaia, em relação à imprensa local, para além da questão do uso do erário público para fins que podem suscitar algumas suspeitas, o esquema de oferta e procura destes serviços é, por outro lado, susceptível de duvidarmos da condição de certos ditos jornalistas (no caso, da imprensa local), quantas vezes, fartos de violar os princípios e obrigações consagrados no Estatuto do Jornalista. Já para não falar daqueles agentes da Comunicação Social condicionados na sua liberdade de expressão, à espera, com promessas, de assessorias. Infelizmente, Portugal é fértil nestes comportamentos.
Numa democracia madura, isto não aconteceria. Isto é demasiado perigoso! O legislador português devia obrigar certos órgãos do Estado (principalmente, as câmaras) a publicarem os seus anúncios de publicidade nos boletins municipais, na maioria dos casos, já infestados de vinte ou trinta fotos dos autarcas das maiorias políticas, em meros exercícios de propaganda partidária.
Habitualmente, recebo os boletins da Câmara Municipal de Amarante, que são autênticas relíquias literárias, em que se fala de Amadeo, de Pascoaes, de Agustina, de Sardoeira, com textos e fotos, publicações estas dignas de as guardarmos em biblioteca pessoal. A foto do presidente da Câmara, Armindo Abreu, não aparece mais do que uma ou duas vezes em cada boletim. Sem dúvida, que, neste caso, estamos perante um exercício de serviço público, sem segundas intenções.