professor universitário
A caracterização da situação económica portuguesa é, normalmente, feita por recurso a um conjunto de indicadores, utilizados recorrentemente pela generalidade das organizações internacionais, o que permite, além do mais, uma comparação entre os diversos países. Mesmo o leitor sem formação económica já estará, hoje em dia, mais ou menos familiarizado com noções como importações, exportações, inflação e desemprego e terá uma ideia aproximada do que é o défice orçamental ou o saldo da balança comercial. E o que esses indicadores nos dizem é que a situação atravessa não é particularmente famosa, com as debilidades e os aspectos negativos a sobrelevarem os positivos e as potencialidades.
Tenho para mim, contudo, que são as estatísticas relativas à qualificação da mão-de-obra e, em particular, as que evidenciam o nível de escolaridade da população portuguesa que traçam o cenário mais dramático. Quando está em causa a evolução para a chamada "sociedade do conhecimento" perturba ver Portugal apresentar níveis terceiro-mundistas no que diz respeito a pessoas com, pelo menos, 9 anos de escolaridade e a abandono escolar. É certo que há saber de experiência feito e que, até por razões de auto-estima, se justifica avaliar e certificar esse tipo de competências, como o actual governo pretende fazer. Mas há saber de saber feito que condiciona todo o outro tipo de aprendizagem, quer em termos dos níveis de complexidade que é possível entender quer em termos do ritmo a que a apreensão de novos conhecimentos se processa. Ao ritmo a que vamos, é mais provável que dentro de 20 anos estejamos no grupo dos países em vias de subdesenvolvimento do que na cauda dos países desenvolvidos.
Como acontece em quase tudo, também aqui a situação do país está longe de ser homogénea. Há regiões que apresentam índices relativamente aceitáveis, enquanto outras têm níveis de escolaridade e qualificação da população absolutamente deprimentes. Entre estas últimas encontram-se vários concelhos da Região Norte como, por exemplo, Felgueiras. Quando a base de conhecimentos e competências são essas torna-se extremamente difícil conseguir escapar a modelos produtivos que não estejam assentes em baixos salários. O facto de os empresários também terem, eles próprios, baixíssimos níveis de educação só agrava o problema, tornando-os pouco sensíveis e aptos a lidar com a sofisticação dos modelos de negócio para que seria desejável evoluir.
Como seria de prever são estas as regiões mais vulneráveis à intensificação da concorrência internacional proveniente de países de mão-de-obra barata. Confrontados com o encerramento de unidades produtivas e o aumento do desemprego, os trabalhadores tornam-se presa fácil de mercadores (não justificam o nome de empresários) que aproveitam essa debilidade e a ausência de perspectivas para perpetuarem, muitas das vezes no limiar da legalidade, o modelo económico dos baixos salários. O caso trazido para as primeiras páginas pela reportagem do "Expresso" é, a todos os títulos, ilustrativo do que se acabou de caracterizar. A histeria politicamente correcta sobre a penosidade do trabalho infantil que existiria neste caso apenas contribui para que não se olhe para o cerne do problema. Em vez de pôr a ênfase na dimensão legal que, obviamente, existe (desde os pais que trabalham estando com subsídio de desemprego, até ao excesso de horas que os jovens trabalhariam, passando pela sua exploração por intermediários sem escrúpulos) e na paranóia fiscalizadora/assistencialista que se limita a adiar o problema, parece-me mais útil procurar soluções que envolvam a sociedade civil e que, do lado do Estado, assentem em incentivos mais do que na repressão. Estou a pensar na responsabilidade social das empresas. Viu-se como actuou, de imediato, a Inditex. E por que não haver um pacto, de conteúdo semelhante, por parte das associações empresariais portuguesas? Certamente teria um impacto positivo na imagem do país (conviria, nesse caso, mandar a notícia a Jack Welch
). Estou a pensar num modelo de ensino que faça a ponte com a estreiteza de visão de quem tem uma escolaridade reduzida e no aprofundamento dos contratos com as famílias que lhes assegure o rendimento de que carecem, por contrapartida do aproveitamento escolar dos menores. Estou a pensar na identificação das instituições da sociedade civil a quem a gestão deste processo pudesse ser confiada. Estou a pensar na possibilidade, como o Governo agora propôs para os funcionários públicos, de se poder acumular uma parte do subsídio de desemprego com rendimentos do trabalho, o que premiava quem diligenciasse para encontrar emprego e diminuiria a concorrência desleal das empresas que recorrem à economia paralela. Estou a pensar, enfim, em soluções que pensassem para a frente e não se limitassem a projectar uma lógica de pensamento único, de matriz urbana, sobre problemas, sociedades e espaços que pouco têm a ver com essas referências. Voltarei ao assunto.