Trabalho infantil: Crianças de Felgueiras cosem sapatos para a Zara - Expresso
Lisboa, 27 Mai (Lusa) - Crianças portuguesas da zona de Felgueiras cosem sapatos à mão em casa para uma fábrica sub-contratada pela cadeia de lojas Zara, da multinacional galega Inditex, revela hoje o semanário Expresso.
Segundo o semanário, que ilustra com fotografias e refere ter assistido "a este tipo de trabalhos manuais, feitos por toda a família, em condições desumanas", o fenómeno "alastra-se por várias freguesias rurais de Felgueiras, muito afectadas pelo desemprego".
O semanário apresenta o caso de dois irmãos de 11 e 14 anos que costuram com a restante família dezenas de sapatos de Verão para a Zara, recebendo 40 cêntimos por cada par cosido à mão, completando entre 100 a 160 sapatos por dia.
Contactado pelo jornal, o gabinete de comunicação do grupo Inditex, a que pertence a Zara, considera o caso como "gravíssimo", lembrando que a empresa tem "um código de conduta muito rígido, que proíbe o trabalho infantil" nas empresas que contrata.
O número de série dos sapatos que as duas crianças cosiam, fotografados pelo Expresso, permitiu identificar que tinham sido produzidos por uma fábrica de Felgueiras, que no ano passado sofreu uma auditoria por parte da multinacional, que não revelou nada de errado.
"A ser verdade, a Inditex será implacável. Essa fábrica deixará de trabalhar para o nosso grupo", afirmou o chefe do gabinete de comunicação do grupo, salientando que só no último ano "4.000 empresas deixaram de trabalhar para o grupo por violarem o código de conduta da empresa".
A mesma fonte acrescentou que algumas das empresas encerradas são portuguesas, escusando-se a identificar quais.
O Expresso explica que o encerramento de calçado e têxteis do Norte do país têm obrigado muitas famílias a receber em casa lotes de calçado para coser, distribuído pela região por carrinhas de fábricas situadas entre Guimarães e Felgueiras, que depois volta para recolher sapatos já cosidos, entregando novo lote.
"Ganham miseravelmente, mas aquele, muitas vezes, é o único sustento", refere ao jornal José Guimarães, dirigente do Sindicato de Calçado em Guimarães.
O Expresso salienta que "não há dados oficiais sobre a quantidade de crianças envolvidas nesta tarefa" porque se torna "quase impossível fiscalizar quem trabalha na sua própria habitação".
O secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional, Fernando Medina, disse à Lusa a 11 de Maio que o trabalho infantil, flagelo que atinge milhões de crianças, está ultrapassado em Portugal, cujo desafio é agora elevar a escolaridade obrigatória para 12 anos.
Fernando Medina falava à Agência Lusa a propósito da conferência internacional sobre o combate à exploração do trabalho infantil no mundo da Língua Portuguesa, que decorreu em Lisboa, no qual foi apresentado o relatório da Organização Internacional de Trabalho, no qual não foi feita qualquer referência a Portugal.
De acordo com declarações de então do Secretário de Estado, Portugal já não se confronta com problemas de trabalho infantil no sentido clássico do termo, sendo este quase diminuto, limitando-se a casos pontuais no sector da agricultura numa perspectiva de ajuda à família depois da escola.
Segundo dados recentes da Inspecção-Geral de Trabalho (IGT), em 2005 foram detectados oito casos de menores em situação laboral ilegal, metade dos sinalizados em 2004.
Em 2004, na sequência de 11.755 visitas de fiscalização foram sinalizados 16 casos.
Só no último trimestre de 2005, a IGT sinalizou seis empresas que infringiram a lei laboral ao ter ao seu serviço menores de 16 anos e sem a escolaridade obrigatória.
Em 2003, adiantou, houve uma declaração positiva do Conselho da Europa sobre a evolução da situação portuguesa, tendo o país sido referenciado como um caso de sucesso na resolução do problema.
Um relatório da Organização Internacional do Trabalho apresentado em Maio revela que o trabalho infantil no mundo diminuiu 11 por cento, uma tendência que acontece pela primeira vez, embora na África subsaariana o número de crianças que trabalham continue a subir.
Segundo o documento, a Ásia é o continente com mais crianças trabalhadoras e a evolução mais positiva deu-se na América Latina e Caraíbas.
RCS.
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