segunda-feira, maio 22, 2006

Artigo de opinião (JCP)

O Opus Dei não nomeia monges para a sua
prelatura, mas sim padres e leigos.

Li, há coisa de um ano, “O Código Da Vinci”, de Dan Brown, não porque esteja intoxicado pela febre capitalista, que quer eleger este romance (ou novela?) de carácter histórico a obra-prima da Literatura Universal (que não é o caso), mas simplesmente porque o livro me foi emprestado por pessoa amiga.
Na minha opinião, acho que não há razões para tanto alarido, tanto por parte das indústrias livreira e cinematográfica, que estão a querer instituir a Ficção ao nível da História, como por parte das organizações católicas que condenam veemente a obra, ao apelidarem-na de blasfema.
A Literatura, enquanto tal, no seu puro desígnio ontológico, não afirma nada. Precisamente, nada. Porque um romance, sendo da área da Ficção, pode ser o retrato das emoções vividas numa determinada época, mas não afirma o concentro da realidade, não obstante poderem espelhar a base dessa mesma realidade. Nem sequer o Realismo de Eça conseguiu esse objectivo, como tal não conseguiu a corrente “mais próxima” do real, que foi o Neo-realismo - o de Redol, o de Soeiro, o de Carlos de Oliveira ou o de Fernando Namora. Quando assim não é, num caso como o que estamos a abordar, a Literatura deixa de ser Literatura, deixa de ser Ficção ou romance, para entrar, então, isso sim, no campo da pura Historiografia.
O “Código” junta peças da História, para elaborar uma teia, e retira a Jesus Cristo a sua modesta origem, afirmando-o como um aristocrata. Tenho sérias dúvidas que até o próprio José Saramago, como marxista que é, goste do Cristo de Dan Brown. Por exemplo, o padre Mário de Oliveira, confesso praticante da Teologia da Libertação, condenou, no seu site, toda esta euforia comercial.
Francamente, não desgostei do “Código” enquanto ficção, enquanto história policial. Como tal, não o considero blasfemo. Deliciei-me com um texto de cerca de 600 páginas, de leitura suave e veloz, a que o autor nos obriga (também graças ao tradutor para português), ao contrário da maioria dos livros de Saramago, cujo ritmo obriga-nos a sufocos respiratórios. Reflecti, por exemplo, sobre as alegadas coincidências de eventos do calendário cristão com os da era do mais puro paganismo, mas logo percebi que o mundo actual tem uma história, muito longa e complexa, que, com certeza, terá de se adaptar e fundir-se no tempo, ajustando as culturas, sempre em progressão, avanço, de miscigenados comportamentos, factos e sentimentos. Mas reparei também que o autor, se está a querer fazer Historiografia, percebe muito pouco sobre o Opus Dei, em cuja organização o autor não consegue mergulhar, porque a desconhece no seu âmago, como a maioria das pessoas. Aliás, Silas, o monge assassino que nos aparece no enredo não espelha, nem de longe nem de perto, os membros dessa organização religiosa, pois, se calhar Brown não sabe, o Opus Dei não nomeia monges para a sua prelatura, mas sim padres e leigos. Como Ficção, o erro passa; em termos de estudo da História, é um erro crasso.
A euforia comercial em volta do “Código” reflecte bem que as pessoas da classe média do Ocidente, que são as que possuiem e promovem a Cultura, quando querem, sabem ser preguiçosas e não são tão sábias e tão cultas como julgamos que são, porque, num caso como estes, embalam na histeria colectiva, como se a pólvora nunca tivesse sido descoberta, ao ponto de querem tornar verdadeiro o que provém da pura criatividade. E intoxicam outras pessoas, culturalmente menos prevenidas. Muitas destas, que não têm o salutar hábito da leitura e da reflexão, o “Código” foi um dos poucos livros que leram na vida, dada a grande máquina comercial à sua volta. E pensam ter descoberto a Verdade plena.
Sem dúvida, que Dan Brown, ao usar o Opus Dei como peça argumental do romance, sabia que iria obter os louros financeiros imediatos, não obstante não nos ter revelado nada de novo sobre esta prelatura.
Sou dos que tenho muito respeito pelos princípios de cada pessoa e e de cada organização ideológica, política ou religiosa, mesmo que não esteja inteiramente de acordo com algumas práticas. Louvo as pessoas que enaltecem os seus princípios com coerência e verdade. Sobre a importância do Opus Dei no mundo não posso ter uma opinião concreta, porque, tal como se auto-define, é "discreta", como "discretas" são todas Maçonarias. Sabemos que, culturalmente, é conservadora; a nível, social, vai contra a matriz liberal. Ao Opus Dei tanto pertenceram, por exemplo, ministros do General Franco, como, dizem, pertencem "católicos sociais" - politicamente, do centro-esquerda - como António Guterres e Mota Amaral, sem esquecermos o malogrado Sousa Franco.
"O Código Da Vinci" tem uma rara virtude: as organizações "discretas" deveriam mostrar-se mais à sociedade, para evitarem especulações e porque a abertura é sinal vivo de Comunhão. Caso contrário, de quando em vez, teremos estes fenómenos, tão espectaculares quanto efémeros.
Não uso julgar o Opus Dei e todas as Maçonarias, não obstante haver quem diga mundos e fundos destas organizações, porque as desconheço no seu âmago. Por outro lado, mesmo que censurando o comportamento de Dan Brown e do seu editor, que se fartam de fazer mil e uma diligências no sentido de tornar a obra num objecto meramente comercial, não condeno o livro. Como crente, cristão e católico, não vejo que o Cristo de Dan Brown ofenda o Cristo ressuscitado, em que acredito. Até porque não surgem no enredo cenas de intimidade sexual. Nisso Brown teve o máximo cuidado. E o livro, propriamente dito, não deixa de nos fazer pensar. É bom que haja quem suscite (ou queirar suscitar) dúvidas em relação à nossa Fé, porque, depois das respostas dadas no nosso íntimo libertador, não ficamos com a Fé abalada, mas reforçada. Não foi isso que aconteceu com os grandes homens da História? Então, cultivem-nos a dúvida, para reforçarmos a nossa crença. Não sejamos doentios, extremistas, e tenhamos o sentido da Liberdade do Homem Novo, para ajustarmos o Céu e a Terra a um único Paraíso.
Condeno, isso sim, atitudes tomadas por parte de dois tipos de pessoas: os "espíritos de contradição", que embandeiram em arco tudo que seja contra a tradição da Fé e os que dentro dessa tradição não conseguem ter uma opinião própria. Há um ano um clérigo que habitualmente escreve num jornal nacional, e que costuma dar loas ao Opus Dei, achava que o "Código Da Vinci" não tinha mal nenhum, que o Vaticano fazia mal em o condenar. Num ano, mudou radicalmente de opinião, sabe-se lá por que motivo!
Nisto tudo, o que importa é a consciência e a sensibilidade de cada um.
Resumindo, não condeno a Ficção, mas não a promovo a verdade Histórica.
Fiquem todos com Deus!