sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Como Dylan ou os Beatles


(JN, 24.02.2006)
José Afonso, andarilho de utopias, é recordado como cidadão exemplar e um dos maiores criadores da música popular portuguesa.
Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, será palco de concertos e debates.
Foi a 23 de Fevereiro de 1987. Fez 19 anos. José Afonso, andarilho do mundo e trovador de utopias, despediu-se desta terra sem alegria. Ficou uma obra incomensurável, única, pujante, criativa. E o exemplo de um cidadão insubmisso. Porém, permanecem sombras, silêncios perturbantes em redor do seu talento. Recordar é um acto de cidadania.
Por estes dias, chovem homenagens de ocasião. A maioria hipócritas e para cumprir calendário. Depois de amanhã, o autor de "Cantigas do Maio" será outra vez esquecido. Ou será que o país não merece o libertário e ícone de gerações?"
José Afonso foi um mestre, um artista genial. Não foi uma bandeira. Foi um artista interventivo e uma referência da nossa arte e cultura. As novas gerações têm muito a aprender, mas, infelizmente, a rádio silencia-o", acusa José Mário Branco, músico e amigo do poeta das canções.
Octávio Fonseca, músico e investigador da obra de José Afonso, elogia o seu carácter, e a construção melódica "Vejo-o como uma das personalidades mais importantes da cultura e um dos criadores mais importantes da música popular universal. É tão importante como Bob Dylan ou os Beatles", resume.
No texto que irá ler hoje, no Centro Cultural de Vila Flor, em Guimarães, Octávio Fonseca não cala a revolta pelo facto de, 19 anos depois da morte de José Afonso, a rádio e a televisão ignorarem a sua obra e trajectória "Se já fazemos barulho, temos de fazer muito mais. Pode ser que um barulho ensurdecedor acabe por sensibilizar os tímpanos da cambada de surdos que domina a música em Portugal".
Em jeito de programa, a homenagem deste fim-de-semana servirá de antecâmara para as comemorações dos 20 anos da morte de José Afonso, em 2007. Enquanto tal não acontece, ficam os concertos, conferências, exposições, debates, animação de rua e lançamento de livros, entre os quais, "Zeca Sempre", editado pela editora "Arca das Letras", composto por testemunhos de autores galegos e portugueses."
Trás Outro Amigo Também", "Venham Mais Cinco", "Enquanto há Força" e "Galinhas do Mato" são alguns dos álbuns obrigatórios, sem esquecer o último concerto, no Coliseu de Lisboa, em 1983, já com a morte a rondar-lhe o corpo. À memória surge-nos, então, a voz e a poesia da "Balada da Noite" "Águas das fontes calai/Ó ribeiras chorai/Que eu não volto a cantar". As palavras ecoam pela vida fora. São imortais.