segunda-feira, outubro 24, 2005

Audição de arguidos como testemunhas viola Constituição

O Tribunal da Relação de Guimarães revogou hoje a decisão instrutória do caso do saco azul de Felgueiras por considerar que o facto de três arguidos terem deposto como testemunhas "viola o princípio da igualdade" previsto na Constituição.
Na decisão, que dá provimento ao recurso da autarca Fátima Felgueiras a pedir a anulação dos depoimentos de três arguidos e das escutas telefónicas constantes no processo, a Relação concluiu que o os depoimentos dos arguidos como testemunhas, prestados em fase de inquérito, violam preceitos constitucionais.
O acórdão revogou hoje a decisão instrutória "na parte em que julga válidas as provas obtidas" através dos depoimentos prestados no inquérito pelos arguidos, António Bragança, Joaquim Freitas e Horácio Costa e das escutas telefónicas realizadas a seis números de telefone.
No caso das declarações dos três arguidos, sustenta que "permitir a valoração de depoimentos de terceiros ilegalmente obtidos seria colocar os arguidos em situação de total desigualdade no que concerne ao respectivo direito de defesa".
O Tribunal da Relação deu hoje provimento ao recurso de Fátima Felgueiras, pedindo a anulação dos depoimentos de três arguidos e das escutas telefónicas constantes.
Segundo fonte judicial, a anulação dos depoimentos e das escutas telefónicas obriga à repetição de toda a fase de instrução do processo, incluindo o debate instrutório.
O Tribunal baseia-se ainda no artigo 133 do Código de Processo Penal, que "impede os co-arguidos de depor como testemunhas no mesmo processo" e constata que os depoimentos dos três arguidos, obtidos inicialmente pela PJ/Braga na qualidade de testemunhas, "não podem ser valorados e utilizados como prova contra a recorrente", Fátima Felgueiras.
A Relação deu ainda provimento ao pedido de anulação das escutas telefónicas, sustentando que são "nulas por terem violado o disposto no n.º1 do artigo 188 do Código de Processo Penal".
O acórdão sustenta que as intercepções a telemóveis foram autorizadas, sem prazo, em 14 de Fevereiro de 2003, tendo apenas sido apresentados os autos de transcrição ao Juiz de Instrução Criminal 45 dias depois.
"Os autos de intercepção e gravação deveriam ter sido lavrados logo que se iniciaram as gravações e não o foram. Foram-no, aparentemente, apenas 15 dias depois", salienta o acórdão.
Acrescenta que "tiveram de ser elaborados em datas posteriores ao termo das intercepções", pelo que - sublinha - "não houve um acompanhamento contínuo e temporal e material" das escutas.
"Dado o tipo de crimes em causa e a delicadeza da situação, consideramos excessivo o período de 45 dias", acentua, referindo-se ao prazo em que foi feita a sua análise pelo Juiz de Instrução.
Conclui argumentando que, "quer a falta de elaboração do auto, logo que foram iniciadas as intercepções, quer a falta de acompanhamento contínuo e próximo destas, são situações violadoras do N.º 1 do artigo 188 do Código de Processo Penal".
A decisão hoje proferida pela Relação de Guimarães implica a anulação da acusação, com o consequente adiamento do começo do julgamento - se a acusação se mantiver após nova fase de instrução - pelo menos por um ano.
Pode acabar na anulação de, pelo menos, vários dos 23 crimes de que Fátima Felgueiras está acusada, quer os que se prendem com as escutas quer os que se baseiam nas declarações daqueles arguidos.
Fonte conhecedora do processo disse à Lusa que os três deverão usar o direito ao silêncio previsto na lei durante o novo debate instrutório, o que resultará em falta de provas para incriminar Fátima Felgueiras na maioria dos crimes de que estava acusada.
O mesmo sucederá com os restantes 12 arguidos, entre os quais o ex-presidente Júlio Faria, os três gestores da Resin Resíduos Sólidos, SA e os cinco empresários envolvidos.
Ao todo, os 16 arguidos eram acusados de 53 crimes.