quinta-feira, julho 28, 2005

EDITORIAL: Relações entre o futebol e a política


Felizmente, o FC Felgueiras parece estar nas condições mínimas necessárias para arrancar com a nova temporada desportiva. Miguel Caetano Ribeiro, desde a altura em que “pegou” no clube até ao momento, tem demonstrado ser, de facto, o timoneiro das nossas esperanças futebolísticas, depois de, a meio do campeonato, termos assistido a um momento deveras dramático quanto à existência da colectividade, que, na altura, ameaçou fechar definitivamente as portas. Fazemos votos para que a agremiação desportiva, com 70 anos de história, tenha arrepiado caminho quanto à sua longevidade. Fazemos esta observação, é óbvio, não esquecendo o esforço da direcção anterior, que terá feito tudo para levar a equipa e o clube ao rubro das nossas emoções. A grandeza de uma instituição deve-se à obra contínua de sucessivas direcções e não exclusivamente ao trabalho dos dirigentes actuais. Como é costume dizer-se, “os homens passam, as instituições ficam”.
Mas o nosso propósito aqui não será tanto observar a componente desportiva do FC Felgueiras e da sua gestão directiva ao longo dos anos, mas, isso sim, tentarmos compreender até que ponto em Felgueiras o futebol esteve ou não ao serviço de interesses partidários e pessoais. Ora bem, numa altura em que os partidos políticos e um movimento independente se preparam para disputar as eleições autárquicas, marcadas para 09 de Outubro, será, certamente, oportuno fazer um pequeno historial das relações em Felgueiras entre o mundo futebol e a mundo da política nos últimos 10 anos. Sem tomarmos partido por quem quer que seja, neste período com eleições autárquicas à porta, entendemos que Rui Rio deu uma lição de pedagogia política quando não quis aproximar os dois fenómenos num só – o Porto clube é um; o Porto cidade é outro”.

Quando, a 28 de Maio de 1995 – já lá vão dez anos! –, o clube de Felgueiras subiu à então 1.ª Divisão Nacional, foram algumas das vozes em surdina que advogaram que aquele seria o princípio do fim da sua existência e que haveria de descer em catadupa, divisão a divisão, até aos escalões distritais. Enganaram-se! Não obstante a equipa ter descido de divisão no ano imediatamente a seguir, o Felgueiras, até 1997, prometia auto-suficiência e viabilidade económico-financeira para sobreviver por muitos e muitos anos. Levantaram o estádio, então ampliado e remodelado, que foi a primeira – mas a única – medida com vista ao futuro do clube. Porém, alguns dos associados, mais ávidos e esclarecidos, alertavam dizendo que se impunham medidas com vista à implementação de meios de receita eventual, pois, já nessa altura, os fundos conseguidos com a venda dos bilhetes, os patrocínios e as sucessivas campanhas de angariação de sócios, mesmo no âmbito da dimensão de um clube da primeira divisão, eram claramente insuficientes, face às despesas decorrentes com os compromissos desportivos e às obras efectuadas no estádio. Os apoios oficiais chegaram, mas o passivo foi aumentando, mercê das obras efectuadas. A Câmara Municipal, logo em Maio de 1995, celebrou um contrato de comparticipação financeira com o FC Felgueiras, que, nossa opinião, se mostrou bastante positivo para a terra, para o clube e, obviamente, para a edilidade, que, nas suas atribuições legais, tem o dever de promover a prossecução dos interesses da comunidade.
Entretanto, há um estigma que começa a fazer escola em Felgueiras: “Nesta terra, tudo que nasce depressa morre”. E é bem verdade! Sem pretendermos fazer coabitar o fenómeno desportivo com o político numa só realidade, o certo é que houve quem se propusesse a isso e, com os seus tentáculos, conseguisse levar avante as suas ocultas intenções. E o resultado está à vista. Em 1997 – ano quente de eleições autárquicas –, o FC Felgueiras, tal como outras instituições do concelho, não escapou à instrumentalização político-partidária. Numa célebre reunião partidária, sobre a qual estamos habilitados a transmitir, houve quem temesse que o sucesso desportivo da equipa e institucional do clube poderia muito bem fazer ofuscar os caprichos de quem legitimamente viesse, nesse ano, a ocupar o poder. De maneira que quem, astutamente, se propôs a tal papel restou-lhe oferecer à colectividade o “bolo envenenado”: um subsídio extraordinário, atribuído nesse ano de 1997, no montante de um milhão e quinhentos mil euros (300 mil contos), por via de alteração do contrato de comparticipação financeira celebrado com a autarquia em 1995. O referido contrato, votado em reunião do Executivo municipal e ratificado pela Assembleia Municipal, prevê, numa cláusula, que a autarquia está legalmente impedida de atribuir quaisquer subsídios ao clube durante quinze anos, tantos quantos constituem o prazo em que a Câmara Municipal se comprometeu a pagar prestações mensais referentes a um empréstimo contraído à Caixa Geral de Depósitos, que serviu para atribuir o referido subsídio extraordinário. O assunto foi levado a uma célebre assembleia-geral da colectividade, em Outubro, em que um vereador se opôs, condenando “esta filosofia de apoios ao FC Felgueiras, que podem provocar a sua morte a médio prazo”. Foi vaiado, insultado e até lhe cortaram o som quando discursava. Sem queremos tentar qualquer inclinação partidária, o certo é que a história veio a dar-lhe razão. Ainda faltam sete anos para que o FC Felgueiras possa ser legalmente subsidiado pela edilidade, que seria um moderada mas importante ajuda para os compromissos anuais desportivos. Os problemas foram surgindo e começou a desenhar-se o princípio do fim… Havia ainda quem assegurasse a existência de um “conselho consultivo” de benfeitores, mas tais projectos nunca saíram das intenções formuladas. Nesta fase de inicial anquilosamento da colectividade local, ainda era possível encontrar alguns empresários crentes na viabilidade do clube. Dessa forma, o FC Felgueiras, já com Diamantino Miranda, esteve a um estreito passo de subir à então I Liga. E, face aos primeiros efeitos nefastos resultantes do referido contrato de comparticipação, em 1999, uma nova alteração do documento iria, mais uma vez, “atar de pés e mãos” o clube. Este vende à autarquia o seu próprio estádio, que passa a propriedade municipal, pela módica verba de 600 mil euros (120 mil contos). Claro que esta foi uma maneira de tornear legalmente a cláusula do contrato já citada, que impede a Câmara Municipal de atribuir subsídios. Uma estratégia, a nosso ver, errada, pois o Felgueiras, sem património, poderia ter comprometido a sua longevidade.
Volvidos mais dois anos, em Dezembro de 1999, chegam à Procuradoria-Geral da República (PGR) as primeiras cartas anónimas relatando a alegada existência de um “saco azul” no município de Felgueiras. O facto abala o país, a Comunicação Social aponta para a suposta existência de esquemas financeiros, praticados nos anos 90, comprometendo o bom-nome do FC Felgueiras. E tal facto afectou grandemente a instituição desportiva. Ao impedimento legal de receber subsídios oficiais juntou-se a psicose de medo por parte do tecido empresarial de apoiar financeiramente a agremiação. Até há bem pouco tempo, havia quem temesse ser investigado judicialmente por mais pequena que fosse a sua comparticipação monetária. Parece que, felizmente, esses receios começam a ser ultrapassados.
Nos últimos anos, o município vem celebrado um contrato de fornecimento de publicidade, ou seja, o patrocínio das camisolas da equipa – FELGUEIRAS, CAPITAL DO CALÇADO –, que é a modalidade encontrada, mais uma vez, parar tornear a cláusula legal, no montante de 300 mil euros (60 mil contos). Uma verba aceitável, que não deixa de respeitar os princípios éticos da ligação entre autarquia-clube, ao invés do que sucedeu com o “quadro surrealista” de 1997, que se nos afigura uma atitude com contornos suicidas.
Há quem advogue que seria melhor para o FC Felgueiras descer de divisão, à 2.ª Divisão B. Duvidamos. A aposta agora consistirá em não perder o “charme”, recentemente restabelecido – de credibilidade –, numa atitude que deverá opor-se à da imagem anteriormente causada, que era de “descarada” instrumentalização do clube por parte dos políticos.